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INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA: PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO E SEGURANÇA JURÍDICA

  • pesquisaeextensaoc
  • 12 de jul. de 2021
  • 68 min de leitura

UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE GRADUAÇÃO EM DIREITO

RICARDO DA SILVA TEODORO

Criciúma 2021

Monografia de conclusão de curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Bacharel em Direito.


Esta Monografia de Conclusão de Curso foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense.


Orientador: Geraldo Machado Cota Júnio: Esp. Mestrando em Direito.

Prof. Fabrízio Guinzani: Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico

Prof. Max Antônio Silva Vieira: Esp. Mestrando em Direito.


Dedico esta monografia a minha esposa Susana B. Teodoro da Silva e filha Eloah da Silva Teodoro que são os motivos da motivação constante.


AGRADECIMENTOS

Fantástico o momento de discorrer palavras de agradecimento pois a trajetória é repleta de desafios e pessoas marcantes para o sucesso no objetivo de obter a graduação.

Agradeço a Deus por sua infinita bondade e manutenção de minha fé em meio aos momentos mais difíceis.

Meu pais, Valêncio Luiz da Silva e Maria Pacheco da Silva pelos investimentos em todos os sentidos na trajetória de minha vida, com minha melhor compreensão atual quando também sou pai.

A minha esposa, Susana B. Teodoro da Silva pela compreensão para o desenvolvimento de minha graduação em todos estes anos, o que naturalmente resultou em menor tempo para as atividades em família. A minha filha, Eloah da Silva Teodoro que tem neste momento 3 anos e 8 meses, é autista e apesar de não entender, me ensina tanto sendo meu maior incentivo em ascender profissionalmente, lhe oferecendo maiores oportunidades e conhecimento nos anos que se seguirão.

Ao meu orientador, Professor Geraldo Machado Costa Júnior, pela disponibilização do tempo em sua agenda já abarrotada para orientação deste estudante e a Professora Monica Ovinski de Camargo Cortina por fazer além do esperado na disciplina de trabalho monográfico para auxiliar este aluno.

As minhas colegas desde o início da graduação, Ana Flávia Serafim Costa e Juliana de Melo Teixeira, pois foram fundamentais na realização dos objetivos e auxílio durante todo o período de graduação.

Agradeço a UNESC, na pessoa de sua atual reitora Dra. Luciane Ceretta, pois testemunho a preocupação com a qualidade da experiência ao aluno, mesmo enfrentando o pior momento vivido pela comunidade, a pandemia. Agradeço aos professores do curso de direito UNESC que fizeram parte desta experiência tão marcante, tendo paciência e serenidade para auxiliar na compreensão dos conteúdos e inspirar os caminhos profissionais.

Impossível mencionar todos que foram importantes, mas agradeço agora de forma extensiva a todos que de forma direta ou indireta participaram comigo desta aventura de graduar-se em direito aos 35 anos de idade.

Meus sinceros agradecimentos!



A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça por toda parte”.

Martin Luther King



O tema expressa o estudo da segurança jurídica oferecida pelo patrimônio de afetação em relação a uma incorporação imobiliária. Há um problema a ser estudado no instituto, que é seu caráter opcional ao incorporador o que acaba por gerar o plausível questionamento. Justifica-se o estudo pela importância delegada a propriedade pela sociedade pois aquela, desde os primórdios, tem grande significado para o indivíduo e no caso de potenciais riscos para a perda deste direito, temos sequelas de ordem moral e material que acabam por prejudicar em muito as pessoas e a economia. O objetivo geral do trabalho é estudar sobre a não obrigatoriedade do patrimônio de afetação a luz dos os princípios da boa fé objetiva e da livre iniciativa. Objetivos específicos serão os estudos sobre o direito à propriedade e a Lei nº 4.591/64, das incorporações imobiliárias, a Lei nº 10.931/04 que dispõe sobre o patrimônio de afetação e examinar quanto a não obrigatoriedade do patrimônio de afetação, diante do confronto entre os princípios da boa fé objetiva e da livre iniciativa, utilizando-se o método dedutivo, em pesquisa do tipo teórica e qualitativa, com emprego de material bibliográfico diversificado em livros e artigos de periódicos que versem sobre os temas de incorporação imobiliária e patrimônio de afetação visando buscar orientações quanto a viabilidade da não obrigatoriedade deste. Resta claro no estudo que no sopesamento dos princípios da boa fé objetiva e livre iniciativa deve imperar aquela sendo de suma importância a obrigatoriedade do patrimônio de afetação para as incorporações imobiliárias.


PALAVRAS-CHAVE: propriedade, incorporação imobiliária, patrimônio de afetação, boa-fé.


ABSTRACT

The theme expresses the study of the legal security offered by the assets of affectation in relation to a real estate development. There is a problem to be studied at the institute, which is its optional character to the developer, which ends up generating plausible questioning. The study is justified by the importance given to property by society because, since the beginning, it has great significance for the individual and in the case of risks for the loss of this right, we have moral and material sequelae that end up harming a lot the people and the economy. The general objective of the work is to study the non-mandatory nature of affectation assets in light of the principles of objective good faith and free enterprise. Specific objectives will be the studies on the right to property and Law No. 4,591 / 64, on real estate developments, Law No. 10,931

/ 04, which provides for the allocated assets and to examine the non-mandatory nature of the allocated assets, prior to the confrontation between the principles of objective good faith and free enterprise, using the deductive method, in theoretical and qualitative research, with the use of diversified bibliographic material in books and journal articles dealing with the themes of real estate development and affected heritage seek guidance on the feasibility of not requiring this. It is clear from the study that, in weighing the principles of objective good faith and free enterprise, the former must prevail, with the obligation of the allocated assets being of paramount importance for real estate developments.


KEYWORDS: property, real estate development, affectation assets, good faith.



SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................……………………………………………………..................9

2 DO DIREITO DE PROPRIEDADE E DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA....…..... 12

2.1 DOS ELEMENTOS, CARACTERÍSTICAS E OBJETO DA PROPRIEDADE …………..…12

2.2 DA PROPRIEDADE COMUM: O CONDOMÍNIO …………………………………………..15

2.3 DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA …………………………………………………………19

2.4 O INCORPORADOR …………………………………………………………………………22

2.5 OS PRIMEIROS PASSOS DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA …………………………25

3 O PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO .....………………………………………………………….... 29

3.1 SURGIMENTO DO PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO ………………………………30

3.2 ASPECTOS GERAIS DO PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO …………………………..32 3.3 A FALÊNCIA DO INCORPORADOR . ..........................………………………………………35

4 PRINCÍPIOS DO DIREITO: A SUPREMACIA DA BOA FÉ ………………………….......... 39

4.1 OS PRINCÍPIOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO …………………………………………39

4.2 O PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA …………………………………………………..……42

4.3 O CONFRONTO ENTRE BOA FÉ OBJETIVA E LIVRE INICIATIVA…………………..… 45 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............………………………………………………………........50

REFERÊNCIAS ..........................………………………………………………………….......... 52


INTRODUÇÃO

A delimitação deste tema já demonstra e inspira o anseio por segurança jurídica, algo que não poderia ser diferente em qualquer sociedade. O patrimônio de afetação, forma mais exponencial de organização para o desenvolvimento de um empreendimento imobiliário visando separar tal patrimônio dos outros bens do incorporador, “blindando” desta forma os compradores/cessionários de eventuais lides jurídicas envolvendo empreendimentos alheios do mesmo incorporador e separando as finanças da obra afetada, veio de forma opcional a partir do ano de 2004, tornar- se parte integrante da incorporação imobiliária justamente com o intuito de trazer segurança jurídica aos adquirentes de imóveis para entrega futura, ou popularmente conhecidos por “imóveis na planta”.

Naturalmente, devido a concentração de maior parte da riqueza em uma pequena porcentagem de cidadãos na sociedade, no momento da compra de um imóvel as facilidades de negociação oferecidas pelas construtoras e incorporadoras acabam sendo a oportunidade de realização do sonho de uma casa própria ou mesmo de investimento para o futuro da família. Infelizmente, não são poucos os casos em que grandes incorporadoras vieram a bancarrota, não conseguindo concluir o empreendimento oferecido, acumulando dívidas que transcendem uma obra específica trazendo prejuízo enorme para aqueles que adquiriram uma ou mais unidades de empreendimentos lançados e vendidos “na planta”.

Com os diversos insucessos do ramo, sendo um deles muito emblemático, quando a Construtora ENCOL veio a falência no ano de 1999 causando enorme prejuízo a mais de 42.000 pessoas, como consequência esperada, houve grande abalo no mercado imobiliário do país e o estado precisava agir para encontrar uma solução para esta lacuna que se formava, afinal, o mercado da construção civil é dos mais pujantes em qualquer país, movimentando milhares de empregos, sendo determinante para a saúde da economia.

A palavra “opcional”, não destacada por acaso no primeiro parágrafo, apresenta-se como problema a ser estudado, e esta será a busca desta pesquisa. Quando o legislativo apresentou uma Lei ao país com o intuito de oferecer maior segurança aos adquirentes de imóveis para entrega futura, guardou a ressalva de que a adoção do sistema ficasse a critério do incorporador. Há necessidade de problematizar esta ressalva com o intuito de melhor compreensão dos motivos que levaram o legislativo a não exigir no texto de lei a obrigatoriedade do instituto que trazia em sua origem o desejo de, mais uma vez, entregar maior transparência, organização e segurança nas negociações imobiliárias.

A notícia de falência de uma construtora/incorporadora traz prejuízos que vão infinitamente além das finanças. Enquanto as empresas, partes privilegiadas pelo poderio econômico, servem-se de alguns remédios jurídicos a exemplo da recuperação judicial, o comprador/cessionário fica na dependência das várias obrigações inerentes para que possa ter por satisfeito a reparação por seus danos patrimoniais e extrapatrimoniais. A relevância do estudo deste tema é evidenciada pois falamos de habitação, e assim reportamo-nos diretamente ao direito de propriedade, algo tão celebrado em nosso ordenamento jurídico sendo inclusive direito especificamente citado e protegido por nossa Constituição Federal. Para a maioria dos compradores/cessionários, trata-se da compra do único imóvel em sua existência, fruto de uma vida inteira de planejamento familiar e quando este planejamento é posto em cheque, as sequelas sociais e emocionais são presentes e, sem clichês, sonhos são destruídos.

Como objetivo geral, o trabalho será o estudo sobre a não obrigatoriedade do patrimônio de afetação traçando um paralelo entre os princípios da boa fé objetiva e da livre iniciativa. Especificamente, será estudado sobre o direito à propriedade e a Lei nº 4.591/64, das incorporações imobiliárias, posteriormente a Lei nº 10.931/04 que dispõe sobre o patrimônio de afetação e por derradeiro, examinar quanto a não obrigatoriedade do patrimônio de afetação, diante do confronto entre os princípios da boa fé objetiva e da livre iniciativa. Como metodologia, será utilizado o método dedutivo, em pesquisa do tipo teórica e qualitativa, com emprego de material bibliográfico diversificado em livros, artigos de periódicos, teses e dissertações que versem sobre os temas de incorporação imobiliária e patrimônio de afetação visando buscar orientações quanto a viabilidade da não obrigatoriedade deste.

No primeiro capítulo, será estudado sobre o direito de propriedade, entendendo seu objeto, características e elementos, além de buscar o conhecimento sobre a propriedade comum que está inteiramente ligada com o tema deste trabalho. Oportunamente, será estudada a Lei nº 4.591/64, das incorporações imobiliárias entendendo quem é o incorporador e os primeiros passos necessários para instituição de uma incorporação imobiliária.

O segundo capítulo, trará o estudo do patrimônio de afetação (Lei n° 10.931/04) para que se possa conhecer seu surgimento, os aspectos gerais e os acontecimentos no caso de falência do incorporador. Por fim, o terceiro capítulo buscará o entendimento do princípio mais relevante para o caso concreto de acordo com nosso ordenamento jurídico e doutrina, estudando sobre os princípios em nosso ordenamento jurídico, o princípio da boa fé objetiva e o confronto entre este e o princípio da livre iniciativa.




  1. DO DIREITO DE PROPRIEDADE E DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA



A propriedade é um dos direitos reais mais celebrados e importantes para a sociedade como um todo e serve como ponto de partida para nosso estudo possuindo lugar especial em nosso ordenamento máximo, Constituição Federal, que estabelece de forma cabal sua importância:


Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

XXII - é garantido o direito de propriedade;



É direito real, recebendo esta classificação pelo Código Civil quando estabelece no Art. 1.225 que “são direitos reais: I - a propriedade”. Scavone (2018, p. 34) ainda afirma que a propriedade é direito real donde emanam todos os outros e somente a lei pode criar direitos reais onde se inclui a propriedade. No mesmo sentido:


O direito de propriedade é o que afeta diretamente as coisas corpóreas - móveis ou imóveis —, subordinando-as à vontade do homem. Daí ser classificado como direito real, em oposição a direito pessoal, concernente às prestações a que as pessoas se obrigam mutuamente. Diz-se que o direito de propriedade é real, no sentido de que incide imediatamente sobre a coisa (do latim res, rei) e a segue em todas as suas mutações, diversamente do direito pessoal, que vincula as pessoas entre si, para prestações individuais, que constituem as obrigações (MEIRELLES, 2005, p. 19).


Quando expresso sobre a relevância da propriedade para a sociedade em geral, tenho guarida em afirmações como a de Rodrigues (1991, p. 81) que explica que desde o princípio a propriedade tem para o ser humano ligação com sua existência e conotação com sua liberdade. O autor declara que através da história, muitos regimes já atentaram contra a propriedade, mas não conseguiram obter êxito.


  1. DOS ELEMENTOS, CARACTERÍSTICAS E OBJETO DA PROPRIEDADE



Não encontramos no Código Civil um conceito amplo a respeito da propriedade, mas sim, uma série de elementos (ou atributos como destacado por alguns autores) que fazem parte de sua composição (AVVAD, 2012, p. 75, 76). O diploma jurídico estabelece em seu Art. 1.228 que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (BRASIL, 2002). Como expressado por Pereira (2019, p. 72) “propriedade é o direito de usar, gozar e dispor da coisa, e reivindicá-la de quem injustamente a detenha [...] Se não é perfeita a definição, melhor noção não é apresentada”.


Por serem tão importantes ao instituto torna-se importante analisarmos em separado os elementos:


  1. Direito de usar: Pereira (2019, p. 74) nos explica que tal direito faz referência em servir-se da coisa em benefício próprio ou de terceiros. É importante destacar aqui a referência que faz o autor em relação ao direito de também não usar afirmando que “usar não é somente extrair efeito benéfico, mas também ter a coisa em condições de servir”. Scavone (2018, p.34) nos fala que usar consiste em extrair o que é ofertado pela coisa sem alterar sua substância, trazendo como exemplo prático o seguinte: “assim, ao utilizar uma casa para moradia, o proprietário está utilizando a coisa para o fim que se destina sem alterar-lhe a substância, o que possui o condão de determinar esse atributo da propriedade”. Burtet (2012, p. 36) estabelece que “o direito de usar oferece ao proprietário a possibilidade de utilizar-se da coisa como bem entender, servindo-se daquilo que ela lhe proporciona. Isso por si só representa o cumprimento da função social, porque o bem será explorado com alguma finalidade”.

  2. Direito de gozar: aqui faz-se referência aos frutos percebidos pelo uso da propriedade, como é o caso de quem coloca um imóvel para alugar e estes alugueres se perfectibilizam como frutos deste imóvel (SCAVONE. 2018, p. 36). Comumente confundido com o direito de uso Avvad (2012, p. 77) alerta que “a fruição distingue-se do uso, embora exista uma tendência na linguagem comum para confundi-los. Entretanto, na acepção jurídica, a expressão gozar inclui o direito de usar”.

  3. Direito de dispor: este direito é definido por Scavone (2018, p. 36) como o mais importante, isso porque, faz referência a todas as possibilidades que tem o proprietário em relação a sua propriedade. “Destarte, poderá consumi-la, destruí-la, aliená-la onerosa ou gratuitamente (venda ou doação), gravá-la com um ônus real (hipotecá-la, em caso de bens imóveis), ou seja, dar a coisa em garantia constituindo ônus real”. Pereira (2019, p. 75) afirma que “é a mais viva expressão dominial, pela maior largueza que espelha. Quem dispõe da coisa mais se revela dono do que aquele que a usa ou frui”.


  1. Direito de reivindicar: também chamado de direito de sequela que diz respeito a possibilidade que tem o proprietário de reivindicar o imóvel de quem o possua de forma injusta (BURTET, 2012, p. 36). Sobre este direito:


De nada valeria ao dominus, em verdade, ser sujeito da relação jurídica dominial e reunir na sua titularidade o ius utendi, fruendi, abutendi, se não lhe fosse dado reavê-la de alguém que a possuísse injustamente, ou a detivesse sem título. Pela vindicatio o proprietário vai buscar a coisa nas mãos alheias, vai retomá-la do possuidor, vai recuperá-la do detentor. Não de qualquer possuidor ou detentor, porém, daquele que a conserva sem causa jurídica, ou a possui injustamente (PEREIRA, 2019, p.76).


É o que ocorre nas ações reivindicatórias onde a “causa de pedir remota é a prova do domínio ou propriedade e representa o direito de sequela, definido como o direito de seguir a coisa e de reavê-la de quem quer que injustamente a tenha”. (SCAVONE, 2018, p. 36).

Seguindo o mesmo autor, passamos a tratar das características da propriedade que encontram concordância nas doutrinas, tratando-se de direito exclusivo, perpétuo e ilimitado.


  1. Exclusivo: esta característica ressalta os limites impostos a qualquer terceiro em relação a propriedade alheia, afinal não existem dois proprietários de uma mesma coisa. A afirmação naturalmente levanta o questionamento em relação ao condomínio (assunto que será tratado em detalhes adiante), sim, dois proprietários podem coexistir com suas partes ideais, porém não há possibilidade de ambos serem donos de forma autônoma da coisa por inteiro. (SCAVONE, 2018, p. 36). Pereira (2019, p. 73) nos traz a seguinte afirmação:


O direito de propriedade é em si mesmo uno, tornamos a dizer. A condição normal da propriedade é a plenitude. A limitação, como toda restrição ao gozo ou exercício dos direitos, é excepcional. A propriedade, como expressão da senhoria sobre a coisa, é excludente de outra senhoria sobre a mesma coisa, é exclusiva”.


Destaca-se aqui a oponibilidade erga omnes a qual orienta Burtet (2012, p. 36) que “a propriedade gera efeitos perante terceiros, exigindo de todos o respeito ao direito do proprietário”.


  1. Perpétuo: Nos exemplifica o autor:

Tornando-se proprietário, o direito do titular só deixará de existir no caso de constituição de uma situação geradora de um benefício a outrem, benefício esse que deve ser entendido como um ato de aquisição. Por exemplo: se houver uma invasão, e o invasor possuir o imóvel pelo prazo suficiente para usucapi-lo (que varia de acordo com a modalidade), haverá uma situação nova, geradora de um direito que concorre em benefício de outrem, sendo este um ato de aquisição (prescrição aquisitiva) (SCAVONE, 2018, p. 36, 37).


O proprietário tem o condão de se desfazer da propriedade ou não, sem limitação ou previsão de tempo para isso. Mesmo o não uso da propriedade não enseja o fim desta, desde que não, exista por inércia do proprietário, um benefício adquirido por outrem através das vias legais.


  1. Ilimitado: o proprietário pode tratar sua propriedade da forma que bem entender e basicamente, isso enseja o caráter ilimitado deste direito. No entanto atualmente, de forma paradoxal, encontram-se limitações criadas pela função social da propriedade, no que se define por interesse da coletividade. O proprietário pode sim desenvolver o que melhor entender com a condição de que não ultrapasse os limites esperados pela coletividade (AVVAD, 2012, p. 75). Além disso, cabe aqui destacar que a propriedade pode ser plena ou limitada. Vejamos:


Supondo, para ilustrar, que o proprietário retire o uso e o gozo (fruição) e transfira-os ao seu filho. Embora continue sendo proprietário, o será de forma limitada (nu-proprietário). Manterá o direito de alienar a coisa e de reivindicá- la de terceiros, e o seu filho terá o usufruto (uso e fruição), que não se extinguirá com a eventual alienação. O nu-proprietário tem a posse indireta e o usufrutuário, a posse direta. Sendo assim, ao nu-proprietário tanto se admite o interdito possessório em face da posse indireta, quanto a ação reivindicatória em razão de sua propriedade, embora limitada (SCAVONE, 2018, p. 37).


Segundo o autor supracitado, em suma, sendo plena a propriedade quando o proprietário dispõe de todas as faculdades expostas no Art. 1228 do Código Civil (usar, gozar, dispor e reivindicar) e limitada quando algum destes atributos não puderem ser exercidos pelo proprietário.

Em relação ao seu objeto, o termo “propriedade” não é somente empregado em relação aos bens corpóreos, mas sim a todos os bens que podem ser “ ocupados” ou “tomados”, é o que nos afirma Pereira (2019, p. 77) discorrendo que ao direito é levada a concepção de domínio, alcançando desta forma a título de exemplo, marcas, patentes, obras literárias, etc.


  1. DA PROPRIEDADE COMUM: O CONDOMÍNIO



Adentramos ao que é tratado a partir do Art. 1314 do Código Civil: o condomínio, que também faz referência a propriedade comum. A essência da propriedade está no domínio de um sujeito sobre a coisa, com exclusão de todos os outros, o que não vê concordância com o conceito de condomínio. Pereira (2018, p. 148) traz relato histórico sobre o tema:


Esta incompatibilidade entre a propriedade e a pluralidade de proprietários já impressionava os romanos a tal ponto, que um dos seus grandes jurisconsultos, Celso, o enunciava, dizendo: duorum vel plurium in solidum dominium vel possessionem esse non potest, isto é: não pode existir a propriedade ou posse de duas ou mais pessoas, solidariamente, sobre a mesma coisa.


Tratando da modalidade de condomínio geral, em suma, é a participação de mais de um proprietário sobre o mesmo bem, exercendo cada qual seu direito como proprietário de modo a não se sobrepor ao quinhão do outro, nem tampouco alienar sem prestar o direito de preferência a este, como salientado no parágrafo único do Art. 1314 do Código Civil “ Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros” (BRASIL, 2002).


Em face do direito de propriedade, tanto por si quanto coletivamente, poderá, ainda, exercer o direito de reivindicá-la de terceiros (artigo 1.314 do CCB) estranhos à comunhão, ou alienar sua quotaparte, dando-se por obrigação legal na preferência aos demais titulares do domínio, que poderão exercer seus direitos de prelação, nos seis meses decadenciais da alienação, na forma do artigo 1.504, § 1º, do CCB, e a ordem de preferência instada no parágrafo único, do mesmo diploma legal, assim como na solução do artigo 1.302 do CCB. Ainda, como senhorio que é, poderá, menos que alienar, gravar sua parte, sem que para tanto se descaracterize a coisa como indivisa. Entretanto, dependerá do consentimento dos demais para “dar posse, uso, ou gozo da propriedade a estranhos” (artigo 1.314) (AGHIARIAN, 2010, p. 134).


Segundo Scavone (2018, p. 716) também se utiliza a terminologia de “comproprietários” ou “coproprietários” sendo que em sua origem este pode ser voluntário quando resulta de negociação voluntária entre as partes, a exemplo de um contrato de compra e venda, ou eventual se resultar de vontade de terceiros a exemplo de uma doação ou testamento. Em relação ao atributo da propriedade de “reivindicar”, vale ressaltar o ensinamento deste autor:


Cada condômino ou comproprietário tem a faculdade de reivindicar de terceiro a coisa comum, independentemente da anuência dos demais. Não se restringe tal direito a uma parte da coisa, na proporção da cota viril, porém estende-se à coisa toda, uma vez que se não individua a parte de cada um. Em relação ao possuidor injusto, a compropriedade arma qualquer dos consortes de poderes para recuperá-la em benefício próprio ou da comunidade (PEREIRA, 2019, p. 150).


Quando se tem por determinado o quinhão no condomínio, tratamos este por pro diviso ou utiliza-se a classificação de pro indiviso quando não se tem por determinada a parte de cada condomínio em relação ao todo, conforme declaração de Avvad (2012, p. 154).

Por condomínio necessário, conforme exposto no Art. 1327 do Código Civil (BRASIL, 2002) “condomínio por meação de paredes, cercas, muros e valas regula-se pelo disposto neste Código (arts. 1.297 e 1.298; 1.304 a 1.307)”, entende- se aquele que é determinado por lei, a exemplo das paredes e muros divisórios entre extremantes. Em tal caso, o diploma jurídico determina no Art. 1328 que o extremante (agora condômino forçado) tem o direito de concorrer para a meação das obras realizadas na divisão entre os prédios reembolsando ao seu vizinho metade do valor despendido para realização das obras.


O art. 1.328 do Código Civil estabelece que o proprietário vizinho tem a faculdade de adquirir a meação do que constitua a estremação dos dois prédios, embolsando a aquele que despendeu, a metade do valor da obra. O que de especial se salienta no preceito é que se não leva em consideração o preço de custo, porém aquilo que a obra valer, no momento em que o confrontante exerce o direito. Demais disso, note-se que embora o referido dispositivo legal remeta ao art. 1.297, este trata de situação oposta, em que o confrontante lança mão do direito de constranger seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios (PEREIRA, 2019, p. 154).



O condomínio de lotes, regulamentado no Art. 1358-A do Código Civil, “pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos” (BRASIL, 2002), é definido pela divisão de lotes exclusivos em concorrência com a propriedade comum partilhada por diversos coproprietários. A diferença em relação a um condomínio de casas (condomínio edilício que será tratado adiante) é que o proprietário tem a faculdade de construir o que lhe convier, desde que respeitado o estatuto deste condomínio. No caso, o instituidor é responsável somente pelas edificações comuns, não tendo nenhum compromisso com as edificações particulares (PEREIRA, 2018, p. 173).

A respeito da multipropriedade vejamos o conceito de fácil compreensão expresso no Código Civil:


Art. 1.358-C. Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada (BRASIL, 2002).

Pereira (2018, p. 175) nos explica que no cotidiano nos deparamos com casas de veraneio, ou residências de temporada onde os proprietários se alternam em períodos específicos possuindo propriedade plena naquela linha de tempo. Esta modalidade surgiu, justamente pelo intuito de se reduzir custos devido ao uso restrito no tempo destes imóveis, e vale salientar que o multiproprietário possui fração ideal sobre o bem, ou seja, mesmo nos períodos que não está fazendo uso de sua propriedade exclusiva, continua como possuidor indireto sobre esta.

Segundo o autor, o estabelecimento do período a ser exercida a propriedade exclusiva se estabelece ao mínimo de sete dias em um ano e pode se dar de forma fixa quando a data é a mesma todos os anos, flutuante quando a data é definida de tempos em tempos, desde que respeitado o princípio da isonomia entre os multiproprietários ou até mesmo uma forma híbrida combinando os dois sistemas.

A seguinte modalidade de condomínio, vem “conversar” diretamente com o epílogo deste trabalho, sendo objeto direto das incorporações imobiliárias quando no intuito de formação deste: condomínio edilício. Esta é a modalidade de condomínio que tem se tornado cada vez mais presente na realidade mundial através do constante crescimento da população e necessidades de moradia.

Eis o gravado no Artigo 1331 do Código Civil:


Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1 o As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio.

§ 2 o O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos. (BRASIL, 2002)


Já claro no diploma jurídico, esta modalidade de condomínio é composta pela junção de propriedades exclusivas e comuns ligadas as unidades autônomas em um único empreendimento. A regulamentação até a vigência do Código Civil de 2002 dava-se inteiramente pela Lei 4.591/64 que após o acontecimento, teve sua primeira parte derrogada devido ao conflito com a Lei mais atual, justamente o Código Civil brasileiro que passou a tratar do assunto nos Arts. 1331 a 1356 (SCAVONE, 2018, p. 720). A este respeito:


O novo CCB, a partir do artigo 1.331, passa a regulamentar essa modalidade, levantando-se, assim, questão de antinomia. Parece-nos, que o novo CCB substitui o texto da Lei extravagante acima, uma vez que nesse particular o novo ordenamento traz conteúdo de especialização sobre a figura jurídica em comento. Torna-se, assim, revogada a lei anterior e, quando não, restam artigos de eficácia meramente dispositiva. (AGHIARIAN, 2010, p. 135).


Para implantação de um condomínio edilício, faz-se necessário juntar documentação pertinente (tema que será abordado adiante, no tópico destinado a incorporação imobiliária) e levar até o registro de imóveis. A documentação exigida pelo Registro de Imóveis para instituição do condomínio já é um dos pontos que fazem diferença cabal em relação ao condomínio comum. Seguindo o autor:


O ato registral que criará o condomínio edilício será a instituição de condomínio com especificação ou individuação das unidades autônomas. Nesse momento, serão criados para o Direito diversos imóveis originários de uma ou mais construções. Esses imóveis são chamados de unidades autônomas, que compreenderão necessariamente a parte de propriedade exclusiva e a parte de propriedade conjunta. Por exemplo, ao apartamento, que é de propriedade privativa, corresponderá parte da propriedade conjunta, áreas de uso comum. Pela análise da matrícula do Registro de Imóveis que se tem condições de saber as especificações de cada unidade autônoma. É na matrícula que constarão sua localização, área privativa, área comum e parte ideal correspondente do terreno, entre outras informações. (BURTET, 2012, p. 55).


  1. DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA



Este instituto é regulamentado pela Lei 4.591/64, que é pressuposto para algo tão corriqueiro no cotidiano da sociedade: a comercialização de imóveis em condomínio para entrega futura, usualmente chamada de “venda na planta”. Como já mencionado neste trabalho, vale dizer que com o advento do Código Civil de 2002, a primeira parte desta Lei foi derrogada devido a questões de antinomia pelas disposições da Lei mais atual versando sobre o tema. A Lei 4.591/64 traz o conceito da seguinte forma:

Art. 28. As incorporações imobiliárias, em todo o território nacional, reger-se- ão pela presente Lei. Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas (BRASIL, 1964).




Scavone (2018, p. 148) discorre sobre a especialidade destes condomínios quando afirma que existem de um lado as propriedades exclusivas das unidades e de outro lado a propriedade compartilhada do terreno e das partes comuns a exemplo de toda a área de lazer, o que culmina na formação do condomínio edilício. Ainda na seara de conceito, Mattos (2011, p. 7) traz sua abordagem acerca da incorporação imobiliária:


Da definição legal, depreende-se ser a incorporação uma atividade complexa, que envolve diversas tarefas sob a responsabilidade do agente promotor. Trata-se basicamente de uma atividade de mobilização, coordenação e gerenciamento dos inúmeros fatores intervenientes para conceber, projetar, divulgar, construir e vender unidades imobiliárias em edificações coletivas.


Ghezzi (2007, p. 60) explica que a promulgação da Lei 4.591/64 tornou-se necessária pois a necessidade crescente de moradia, aliada a atividade de se oferecer ao dono de um terreno a proposta de construir algo, sendo já vendido durante a própria construção, desenvolveu uma grave consequência: a consecução deste sistema que era inicialmente desenvolvida pelo construtor, passou também a ser desenvolvida por pessoas alheias ao negócio e a atividade, trazendo grande instabilidade e insegurança jurídica aos adquirentes. “A nossa legislação era omissa quanto ao regulamento [...]. Esta circunstância, aliada ao fato de que se tratava de um negócio extremamente lucrativo, ensejou que pessoas mal intencionadas viessem a desenvolver esta atividade” (GHEZZI, 2007, p. 60).

Esta situação hipotética levantada por Pereira (1985, p. 231) nos exemplifica de forma resumida os passos tomados por um incorporador afim de possibilitar a consecução e venda de unidades futuras de um empreendimento:


Um indivíduo procura o proprietário de um terreno bem situado, e incute-lhe a ideia de realizar ali a edificação de um prédio coletivo. Mas nenhum dos dois dispõe de numerário e nenhum deles tem possibilidade de levantar por empréstimo o capital, cada vez mais vultoso, necessário a levar a termo o empreendimento. Obtém, então, opção do proprietário, na qual se estipulam as condições em que este aliena o seu imóvel. Feito isto, vai o incorporador ao arquiteto, que lhe dá o projeto. De posse dos dados que lhe permitem calcular o aspecto econômico do negócio (participação do proprietário, custo da obra, benefício do construtor e lucro), oferece à venda as unidades. Aos candidatos à aquisição não dá um documento seu, definitivo, ou provisório, mas deles recebe uma “proposta” de compra, em que vêm especificadas as condições de pagamento e outras minúcias. Somente quando já conta com o número de subscritores suficientes para suportar os encargos da obra é que o incorporador a inicia. Se da sua execução por empreitada, “contrata” com o empreiteiro; se por administração, ajusta esta com o responsável técnico e contrata o calculista, contrata os operários, contrata o fornecimento de materiais etc.


O exemplo oferecido pelo autor nos possibilita visualizar algo que é corriqueiro na sociedade no que se refere a empreendimentos imobiliários, mas para que se configure uma incorporação imobiliária de fato, alguns pressupostos precisam restar identificados. Quando Chalhub (2019, p. 08) afirma que incorporação imobiliária é a “atividade de coordenação e consecução de empreendimento imobiliário, compreendendo a alienação de unidades imobiliárias em construção e sua entrega aos adquirentes, depois de concluídas, com a adequada regularização no Registro de Imóveis competente”, nos oferece indícios dos elementos que definem uma incorporação imobiliária, o qual passamos a pontuar.


  1. Intenção de alienação: Mattos (2011, p. 08) orienta quanto a necessidade de intenção de venda futura, sem o qual não haveria de se falar em incorporação imobiliária. A título de exemplo, quem constrói um empreendimento com a intenção una de locar as unidades futuramente, não será considerado incorporador. É o que afirma Ghezzi (2007, p. 68) quando diz que “não há incorporação imobiliária quando se constrói sem a pretensão de alienar a terceiros as unidades autônomas da edificação”.

  2. Venda antecipada: o fim da necessidade deste elemento é o levantamento de recursos para a execução do empreendimento, relatando uma coordenação e consecução de edificações sendo vendidas as unidades durante o curso da obra (RIZZARDO, 2019, p. 261). Mattos (2011, p. 8) declara que este elemento inclusive, foi o grande fomentador do surgimento das Leis 4.591/64 (“Lei da incorporação imobiliária”) e 10.931/04 (“Lei do patrimônio de afetação”) pois se fazia necessário ofertar maior segurança jurídica aos adquirentes das unidades autônomas. Corroborando com este entendimento contribui Chalhub (2019, p. 8) afirmando que “traço característico dessa atividade é a “venda antecipada de apartamentos de um edifício a construir”, que “[...] constitui o meio pelo qual o incorporador promove a captação dos recursos necessários à consecução da incorporação”.

  3. Promoção de lucro: há um caráter comercial intrínseco na incorporação imobiliária, que de forma inevitável conduz os esforços e riscos assumidos pelo proprietário pelo vislumbre do lucro. Naturalmente, os esforços para o desenvolvimento de um empreendimento, até o levantamento dos interessados em adquirir unidades autônomas resultando na assunção de riscos para que se cumpra a obrigação de fazer do incorporador, só são despendidos pois existe como objetivo fim o esperado lucro por toda a operação (CHALHUB, 2019, p. 10). Rizzardo exemplifica que quando não há intenção de venda e consequente lucro, mesmo situação que poderia ser análoga a incorporação imobiliária não se revestiria desta, isso porque, o proprietário ou os proprietários não fariam oferta pública para venda e captação de recursos e então poderiam simplesmente aguardar a finalização da obra para posteriormente realizar os trâmites necessários para individualização de sua matrícula, ou seja, não haveria incorporação imobiliária conforme os ditames da Lei 4.591/64 (2019, p. 257).


Dessa forma, está entre os pressupostos para a caracterização do incorporador o seu intuito de auferir lucro, captando recursos dos promissários ou cessionários compradores mediante venda ou promessa de alienação. A partir de então, o incorporador irá operar com recursos de terceiros, e irá aplicá-los na construção de unidades imobiliárias que serão entregues no futuro (HÜBERT, 2012, p. 123).


Fazendo um aparte, em alerta feito por Mattos (2011, p. 8), é pertinente tratar sobre algo que traz dúvida ao público leigo: confusão entre incorporação e construção. Na verdade, incorporação é gênero enquanto construção é espécie sendo tão somente um dos componentes do processo de incorporação. Outrossim, o incorporador não necessariamente precisa ser o construtor, podendo delegar esta função a terceiro.


Não se restringe essa atividade à mera construção. Este é um dos aspectos materiais, ao qual somam-se outros, de significante relevância, que constituem a alma da incorporação e que se revelam na formulação e elaboração da ideia e diretrizes da obra, no planejamento, na mobilização de recursos necessários, na organização, na coordenação ou administração de atividades, na venda de unidades ou partes ideais, no encaminhamento ao registro imobiliário. (RIZZARDO, 2019, p. 262).


Rizzardo ainda expressa a lei permite com que seja empreitada com terceiro a construção ficando responsável por fiscalizar ou comandar esta assumindo as responsabilidades junto aos compradores (2019, p. 264). Assim, conforme este autor, temos percepção da amplitude da incorporação imobiliária sendo a parte construtiva apenas um de seus elementos.


  1. O INCORPORADOR


Como já abordado na introdução ao tema de incorporação imobiliária, com oaumento da demanda imobiliária em nosso país, o sistema de negociação para venda, captação de recursos e entrega futura de unidades autônomas se tornou negócio extremamente interessante. A questão é que antes do advento da Lei 4.591/64 não havia definição clara da figura do incorporador, oferecendo amplo espaço para “aventureiros” que ofereciam risco potencial para o mercado imobiliário, como afirma Ghezzi (2007, p.71-72) ou seja, segundo Hübert, o incorporador existia, mas sua atuação não era regulamentada e ainda assim já era peça importantíssima para a formação de um condomínio (2012, p. 120). Com o advento da Lei 4.591/64 que passou a denominá-lo, também foram esclarecidas as funções e responsabilidades, conforme confirmamos a seguir:


Devido ao grande crescimento e proliferação de edifícios nas grandes cidades, desenvolveu-se, muito antes da Lei 4.591/64, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, a atuação do incorporador, tão comum nos negócios de condomínios coletivos. Essa figura corresponde àquele que, como negócio habitual ou eventual, constrói edifícios e forma condomínios, visando auferir lucros sobre a venda de unidades autônomas. A partir da vigência da lei de condomínios e incorporações imobiliárias, pode-se definir a incorporação como sendo uma atividade exercida com a finalidade de promover e realizar determinada construção, com a alienação total ou parcial de edificações ou conjunto de edificações que possuem unidades autônomas (HÜBERT, 2012, p. 121).


O incorporador tem responsabilidade fim, ou seja, de resultado, sabendo que toda obrigação é estabelecida com prazo para que seja concretizada (AGHIARIAN, 2010, p. 162). Ao realizar a atividade de incorporação, uma pessoa física ou jurídica movimenta outras pessoas com objetivo de produzir um bem, comercializar as unidades, auferir lucro e para isso assume as responsabilidades concernentes a esta atuação. Esta pessoa é o incorporador, que concebe o projeto e realiza todos os trâmites necessários para a sua execução e objetivo final que é a entrega com a constituição do condomínio (CHALHUB, 2019, p. 20).


A comparação é útil para visualização da figura do incorporador: é ele a pessoa que, com o discernimento próprio do empresário e à vista de dados da realidade, notadamente estatísticas, tem a percepção das tendências do mercado e da demanda por novos imóveis; com essa aptidão, e à vista da legislação de uso e ocupação do solo urbano, busca terrenos compatíveis com essas tendências, capazes de atender as demandas do mercado, articula negociação com o proprietário do terreno, promove, com os profissionais que contratar, o planejamento do negócio, a partir de estudos arquitetônicos, formula minutas de contratos, efetiva a compra ou a permuta do terreno, processa a apreciação e aprovação do projeto pelas autoridades administravas (CHALHUB, 2019, p. 21).


É mister que saibamos o conceito de incorporador, pela Lei 4.591/64:

Art. 29. Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a têrmo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas (BRASIL, 2020).


O conceito trazido pela lei, sofre algumas críticas quanto ao entendimento de alguns autores. Mattos (2011, p. 10) refere-se a ele como confuso e prolixo e cita Chalhub (2005, p. 15) quando aponta para um erro técnico que seria a confusão na utilização da palavra transação quando corretamente deveria ser utilizada negócio jurídico, então neste sentido Rizzardo (2019, p. 266) declara que “melhor teria sido que simplesmente constasse o incorporador como a pessoa natural ou jurídica que promove a construção de edificação composta de unidades autônomas para a sua alienação total ou parcial”. Prosseguindo na Lei 4.591/64, podemos destacar aqueles que podem figurar no título de incorporador:


Art. 31. A iniciativa e a responsabilidade das incorporações imobiliárias caberão ao incorporador, que somente poderá ser: a) o proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário dêste ou promitente cessionário com título que satisfaça os requisitos da alínea a do art. 32; b) o construtor ou corretor de imóveis; c) o ente da Federação imitido na posse a partir de decisão proferida em processo judicial de desapropriação em curso ou o cessionário deste, conforme comprovado mediante registro no Cartório de Registro Geral de Imóveis. c) o ente da Federação imitido na posse a partir de decisão proferida em processo judicial de desapropriação em curso ou o cessionário deste, conforme comprovado mediante registro no registro de imóveis competente.§ 1º No caso da alínea b, o incorporador será investido, pelo proprietário de terreno, o promitente comprador e cessionário deste ou o promitente cessionário, de mandato outorgado por instrumento público, onde se faça menção expressa desta Lei e se transcreva o disposto no § 4º, do art. 35, para concluir todos os negócios tendentes à alienação das frações ideais de terreno, mas se obrigará pessoalmente pelos atos que praticar na qualidade de incorporador. § 2º Nenhuma incorporação poderá ser proposta à venda sem a indicação expressa do incorporador, devendo também seu nome permanecer indicado ostensivamente no local da construção. § 3º Tôda e qualquer incorporação, independentemente da forma por que seja constituída, terá um ou mais incorporadores solidariamente responsáveis, ainda que em fase subordinada a período de carência, referido no art. 34. (BRASIL, 2004).


Baseado no exposto pela Lei, Rizzardo esclarece que as espécies declaradas na alínea “a” devem para tal apresentarem o justo título de sua posse, e no caso de compradores ou cessionários, seu título deve estar cingido de irrevogabilidade e irretratabilidade. Para os casos da alínea “b” o construtor deve apresentar contrato social ou declaração de empresário individual onde conste a incorporação imobiliária como atividade comercial. Para o caso do corretor de imóveis, basta que este esteja filiado ao CRECI, porém em ambos os casos, será necessária a apresentação do instrumento de mandato para a finalidade da incorporação (2019,

p. 267). Quanto ao ente da federação, esclarece o autor:


No caso do ente da Federação emitido na posse em face de decisão proferida no processo de desapropriação, depreende-se que trata de um ente público, pertencente à União, Estado, Distrito Federal ou Município e suas entidades delegadas. Consoante aparece na redação, elemento para admitir a incorporação é a imissão na posse advinda de decisão judicial em processo de desapropriação. A imissão poderá ocorrer no início do processo (RIZZARDO, 2019, p. 267).


Eis as obrigações do incorporador, determinadas pela Lei 10.931/04:


Art. 31-D. Incumbe ao incorporador:

I - promover todos os atos necessários à boa administração e à preservação do patrimônio de afetação, inclusive mediante adoção de medidas judiciais; II - manter apartados os bens e direitos objeto de cada incorporação;

  1. - diligenciar a captação dos recursos necessários à incorporação e aplicá- los na forma prevista nesta Lei, cuidando de preservar os recursos necessários à conclusão da obra;

  2. - entregar à Comissão de Representantes, no mínimo a cada três meses, demonstrativo do estado da obra e de sua correspondência com o prazo pactuado ou com os recursos financeiros que integrem o patrimônio de afetação recebidos no período, firmados por profissionais habilitados, ressalvadas eventuais modificações sugeridas pelo incorporador e aprovadas pela Comissão de Representantes;

  3. - manter e movimentar os recursos financeiros do patrimônio de afetação em conta de depósito aberta especificamente para tal fim;

  4. - entregar à Comissão de Representantes balancetes coincidentes com o trimestre civil, relativos a cada patrimônio de afetação;

  5. - assegurar à pessoa nomeada nos termos do art. 31-C o livre acesso à obra, bem como aos livros, contratos, movimentação da conta de depósito exclusiva referida no inciso V deste artigo e quaisquer outros documentos relativos ao patrimônio de afetação; e

  6. - manter escrituração contábil completa, ainda que esteja desobrigado pela legislação tributária. (BRASIL, 2004).


O entendimento da importância do incorporador para o sucesso de um empreendimento é demonstrado pela observação de Meirelles (2005, p. 272) quando cita a figura “multiforme” do incorporador que atua em diversas áreas tanto na concepção, execução e entrega do empreendimento, sendo o elemento propulsor do condomínio.


  1. OS PRIMEIROS PASSOS DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA



Através dos ensinamentos de Chalhub (2019, p. 25), percebe-se que a incorporação imobiliária possui uma estrutura complexa, dotada de diversas ramificações a depender de cada empreendimento, isso porque cada qual possui uma história, sendo um trabalho de certa forma artesanal. Além disso, para captação de recurso e processos de venda, existem também diversas formas a depender da estrutura financeira do incorporador e seu planejamento.

Em suma, o início é marcado pela identificação de um potencial terreno para a execução de uma incorporação, conforme nos ensina Chalhub, onde o incorporador desenvolve os estudos necessários quanto a viabilidade construtiva e econômica afim de averiguar a possibilidade da execução do projeto. Decidido pela incorporação, o incorporador irá adquirir o terreno através de um dos instrumentos jurídicos legalmente permitidos, a exemplo do contrato ou promessa de compra e venda ou contrato de permuta passando então a desenvolver o projeto ao caso concreto para aprovação dos órgãos competentes (2019, p. 25). Segundo Rizzardo, dentre estes instrumentos jurídicos se destacam a compra e venda com pagamento integral do preço, promessa de compra e venda ou de cessão e contrato de permuta por área construída (2019, p. 319). Vale observar que estes instrumentos precisam ser dotados ao menos das seguintes cláusulas, conforme pontua Hübert (2012, p. 135):


  1. irrevogabilidade e irretratabilidade – O documento não pode estar sujeito a arrependimentos.

  2. imissão na posse do imóvel – para que a incorporação tenha início, deve o comprador ou cessionário já estar imitido na posse do bem.

  3. inexistência de cláusulas impeditivas de alienação em frações ideais – naturalmente a incorporação imobiliária objetiva a alienação de frações ideais e para isso, o comprador ou cessionário não pode ser privado desta prática.

  4. consentimento para demolição e construção – caso exista qualquer edificação no imóvel, deve existir o prévio consentimento e liberação para que esta venha a ser demolida dando lugar ao novo empreendimento.


Cumpridas estas etapas, é chegado o momento de satisfazer o exigido no Art. 32 da Lei 4.591/64, qual seja:


Art. 32. O incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes documentos:


  1. título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de direitos ou de permuta do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel, não haja estipulações impeditivas de sua alienação em frações ideais e inclua consentimento para demolição e construção, devidamente registrado;

  2. certidões negativas de impostos federais, estaduais e municipais, de protesto de títulos de ações cíveis e criminais e de ônus reais relativante ao imóvel, aos alienantes do terreno e ao incorporador;

  3. histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 anos, acompanhado de certidão dos respectivos registros;

  4. projeto de construção devidamente aprovado pelas autoridades competentes;

  5. cálculo das áreas das edificações, discriminando, além da global, a das partes comuns, e indicando, para cada tipo de unidade a respectiva metragem de área construída;

  6. certidão negativa de débito para com a Previdência Social, quando o titular de direitos sobre o terreno for responsável pela arrecadação das respectivas contribuições;

  7. memorial descritivo das especificações da obra projetada, segundo modelo a que se refere o inciso IV, do art. 53, desta Lei;

  8. avaliação do custo global da obra, atualizada à data do arquivamento, calculada de acordo com a norma do inciso III, do art. 53 com base nos custos unitários referidos no art. 54, discriminando-se, também, o custo de construção de cada unidade, devidamente autenticada pelo profissional responsável pela obra;

  9. discriminação das frações ideais de terreno com as unidades autônomas que a elas corresponderão;

  10. minuta da futura Convenção de condomínio que regerá a edificação ou o conjunto de edificações;

  11. declaração em que se defina a parcela do preço de que trata o inciso II, do art. 39;

  12. certidão do instrumento público de mandato, referido no § 1º do artigo 31;

  13. declaração expressa em que se fixe, se houver, o prazo de carência (art. 34);

  14. atestado de idoneidade financeira, fornecido por estabelecimento de crédito que opere no País há mais de cinco anos.

  15. declaração, acompanhada de plantas elucidativas, sobre o número de veículos que a garagem comporta e os locais destinados à guarda dos mesmos (BRASIL, 2020).


Este dossiê recebe o nome de memorial de incorporação como revela Chalhub, sendo ação necessária para que então o oficial do Registro de Imóveis possa proceder com o esperado registro. Em suma, a intenção da exigência destes documentos é mais uma vez comprovar a idoneidade e capacidade financeira do incorporador para que então possa livremente oferecer e negociar as unidades com os futuros condôminos (2019, p. 25).


Com a efetivação do registro, que é passo antecedente para a propagação da venda, os futuros interessados em adquirir têm condições de conhecer a história do imóvel, a situação jurídica do incorporador, a sua realidade patrimonial, as condições da negociação do terreno, os eventuais ônus incidentes no imóvel, a aprovação do projeto do edifício pelas autoridades competentes (RIZZARDO, 2019, p. 321).


Vale destacar que as obrigações pertinentes ao memorial de incorporação registrado junto ao Registro de Imóveis é passo definido por lei, do qual não pode dispor o incorporador, mesmo que este se proponha a apresentar eventuais documentos faltantes durante a construção.

Para que se possam ser comercializadas as unidades autônomas, é imprescindível que todos os documentos tenham sido apresentados e registrado o memorial de incorporação, sob pena de contravenção penal passível de multa (HÜBERT, 2012, p. 137). O autor ainda destaca que após o advento da Lei 4.591/64 os contratos registrados pós incorporação concedem ao adquirente direito real, permitindo assim que em eventual insolvência ou paralisação por parte do incorporador, possa o adquirente registrar sua fração ideal visando a continuação e finalização da obra sem oposição de terceiros. Além disso, o número gerado pela incorporação deverá estar exposto em todas as ações de publicidade que vierem a ser realizadas no intuito de comercialização das unidades com a certeza de que sob exigência, o incorporador deverá fornecer cópia dos documentos concernentes a incorporação do imóvel



  1. O PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO



A lei 10.931/04 regulamenta o patrimônio de afetação, termo este que no contexto deriva do latim affetatione, sendo oposição de encargo a um bem, servindo de segurança a alguma obrigação ou dívida, reservando aquele ao fim a que se destina (MATTOS, 2011, p. 41). “Por patrimônio de afetação entende-se o conjunto autônomo de bens, direitos e obrigações formado para um determinado fim, sem possibilidade de desvio para outra finalidade” conceitua Mattos (2011, p. 41).


A universalidade e a unidade do patrimônio não impedem, entretanto, que bens e direitos individualmente considerados sejam alienados ou afetados para finalidades determinadas. Pela teoria da afetação uma parcela desses ativos permanece segregada no patrimônio comum da pessoa para atender a um fim específico, de garantia, transferência ou de utilização. A afetação não importa em disposição, destaque ou saída daqueles bens e direitos do patrimônio geral e, sim, em indisponibilidade, eivando de nulidade o ato de alienação e assegurando ao beneficiário o direito de seqüela, caso transferido total ou parcialmente para o patrimônio de outrem.


Rocha (2011) afirma que “a fonte da afetação é a lei, pois não é ela possível senão quando imposta ou autorizada pelo direito positivo, aparece toda vez que certa massa de bens é sujeita a uma restrição em benefício de um fim específico". Um patrimônio afetado torna-se autônomo, livre dos revezes de uma insolvência, respondendo somente pelo conjunto de bens que o formam. Na visão de Guezzi, (2007, p. 197) embora o patrimônio seja no âmbito doutrinário conhecido por indivisível e único, a lei trouxe de forma excepcional a possibilidade de se destacar do patrimônio do incorporador determinado bem para que este esteja a parte, tornando-se uma universalidade autônoma (GUEZZI, 2007, p. 197).


Logo, pode-se dizer que por regime de afetação entende-se que o terrenos objetos da incorporação, inclusive os bens e direitos a eles vinculados, ficarão separados do patrimônio do incorporador. Assim, o patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos, e somente responde por dívidas e obrigações vinculadas àquela incorporação específica.

Dessa maneira, em caso de falência do incorporador ou de destituição do mesmo por paralisação injustificada da obra, a Comissão de Representantes assumirá a administração da incorporação, convocando assembleia geral para decisão sobre a continuidade do empreendimento ou a liquidação do patrimônio de afetação. Logo, se os compradores decidirem por retomar a obra, a falência do incorporador não atingirá o empreendimento. (AGHIARIAN, 2010, p. 125)



Criado como resposta aos anseios da população diante de dificuldades do setor habitacional, vamos explorar este valioso instituto jurídico.


  1. SURGIMENTO DO PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO



No sentido contrário da doutrina da unicidade patrimonial, na intenção de criação de patrimônios especiais para cumprimento de destinação específica, surgiu no final do século XIX a teoria da afetação (ROCHA, 2011). A crescente demanda de edifícios condominiais que eclodiu no país de forma repentina exigiu com que fosse criada nova regulamentação que viesse trazer segurança e organização necessárias para o ramo imobiliário.

Neste prisma, nasceu a Lei 4.591/64, chamada Lei das incorporações imobiliárias que trazia as diretrizes e responsabilidades dos incorporadores imobiliários quanto ao lançamento de projetos condominiais. Naturalmente o ramo de construção civil / imobiliário, movimenta além de volumosas e substanciais quantias, grande oferta de emprego, o que tem importância ímpar para o país. Apesar desta Lei, as novas demandas do mercado imobiliário e o crescimento sem precedentes, exigiram do legislativo melhor adequação devido aos eventos que se sucederam. (MARQUES, 2005, p. 12,13)

O ano era 1999, quando uma das maiores incorporadoras dos país, a ENCOL, tinha sua falência decretada e deixava um prejuízo enorme na vida de mais de 40.000 famílias. Conforme Mattos (2011, p. 49) “a falência da incorporadora ENCOL, em 1999, e todas as complicações que se seguiram a ela foram os principais elementos que motivaram a criação e a adoção de medidas de segregação de patrimônio na indústria da construção”. Afirma Marques (2005, p. 15):

Na prática, a Lei deve evitar casos como o da Encol, que deixou inacabados centenas de empreendimentos imobiliários e cuja quebra acabou prejudicando boa parte das pessoas que haviam comprado imóveis da construtora no país. Foi um trágico e infeliz incidente que abalou, e muito, a credibilidade no mercado imobiliário.


Embora esse abaloamento tenha se dado de forma exponencial por esta empresa devido aos vultuosos números que alcançara em negociações, o que seria algo em torno de 2,5 bilhões, várias empresas encontravam-se em situação semelhante, reforçando esta ideia do momento delicado em que se encontrava o mercado imobiliário (SEGRETI, 2006, p. 254).

Conforme Heyng e Peixoto (2016, p. 95), houve uma repentina queda nas vendas dos imóveis em planta devido ao medo que possuíam as pessoas de vivenciarem novamente o caso Encol, pois eram situações comuns os indivíduos entregarem, muitas das vezes, tudo o que tinham para adquirir um bem, e nos casos de falência, por mais que acionando o judiciário de forma individual, conseguiam a condenação do incorporador, porém não conseguiam receber de volta os valores despendidos.

No intuito de incentivar o setor, criou-se mais uma forma de garantia real:


Em 04.09.2001 foi criado pela MP nº 2.221 o Patrimônio de Afetação, quando foi alterada a Lei nº 4.591/64, para garantir a efetividade das incorporações imobiliárias, em proteção dos milhares de aderentes lesados ao longo de lamentáveis quebras empresariais do setor. Então nova figura de direito real de garantia destinava-se a estimular a constituição de reserva de bens a constituir um patrimônio autônomo ao do incorporador, objeto de garantia em favor dos promitentes compradores, tornando imune (esse patrimônio) à insolvência ou falência daqueles. (AGHIARIAN, 2010, p. 176)


O autor do anteprojeto foi o professor Melhim Chalhub, já citado algumas vezes neste trabalho, sendo instituída em 04/09/2001, a MP 2.221 que acrescentava os arts. 30-A a 30-G na Lei 4.591/64 (das incorporações imobiliárias). A medida provisória, regulamentou a aplicação do regime de afetação patrimonial às incorporações imobiliárias, seguindo o caminho apontado pelo anteprojeto que fora encaminhado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB (CHALHUB, 2003).

Posteriormente, em 02 de agosto de 2004, era editada a Lei 10.931 que trazia um capítulo a mais em relação a MP que a precedera (AVVAD, 2012, p. 601), conforme o seguinte relato:


[...] o instituto do patrimônio de afetação foi inicialmente regulamentado pela MP 2.221/2001, que havia acrescentado os Arts. 30-A, 30-B, 30-C, 30-D, 30- E, 30-F e 30-G à Lei 4.591/64, e dado nova redação ao § 2º do Art. 32, ao inciso VII do Art. 43, bem como ao caput e ao § 2º do seu Art. 50.

A medida provisória em questão foi revogada pela Lei 10.931 de 02.08.2004, que veio introduzir de forma definitiva a figura do patrimônio de afetação no campo das incorporações imobiliárias. Esta Lei, entre outras disposições, especificamente no que tange a Lei 4.591/64, acrescentou os Arts. 31-A, 31- B, 31-C, 31-D, 31-E e 31-F, e confirmou a nova redação que já havia sido dada pela MP 2.221/2001 ao § 2º do Art. 32, ao inciso VII do seu Art. 43, bem como ao caput e ao § 2º do Art. 50. (GHEZZI, 2007, p. 198).


A Lei 10.931/04 veio revogar a Medida Provisória 2.221/01, que o autor qualifica como “cambaleante”, com o principal objetivo de trazer efetividade as incorporações oferecendo maior garantia aos adquirentes. Na Lei, o incorporador passou a receber o incentivo fiscal de pagar uma cota única de 7 % sobre de toda a receita mensal da incorporação, estando incluídos o imposto de renda, Cofins, PIS/Pasep e CSLL, sendo que em março de 2009 esta alíquota reduziu-se ainda mais para a taxa de 6% (MATTOS, 2011, p. 49).

Ainda conforme este autor (p. 52), é pertinente trazer ao trabalho a crítica sobre a Lei 10.931/04, classificando inclusive como um “mau exemplo legislativo”. A Lei não se deteve somente ao patrimônio de afetação, mas tratou de outros dispositivos alheios, como financiamento imobiliário, letra de crédito imobiliário, cédula de crédito imobiliário, cédula de crédito bancário, critério de quórum em condomínio, princípios sobre correção monetária e alienação fiduciária e alterações em várias leis. Eis a declaração de Sílvio Venosa:


Como se nota, nosso legislador converte-se atualmente no principal responsável pela mixórdia legislativa que enfrentamos, legislando sem o maior cuidado técnico, dando um cunho amplo e fragmentado a uma lei que deveria ter se preocupado exclusivamente com o patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias. Certamente, ao encaixar temas tão desconexos em um mesmo diploma legislativo, obtém com mais facilidade e aprovação, sem discussão, de disposições que deveriam ser melhor e mais aprofundadamente esmiuçadas por especialistas. Fica evidente essa ideia quando se examinam várias leis recentes, sendo a lei ora examinada exemplo patente do que se pode denominar má-fé legislativa (VENOSA, 2006 apud MATTOS, 2011, p.53)


Conforme Mattos (2011, p. 53), esta miscelânea de assuntos dentro de uma mesma lei, contribuiu para que esta ficasse confusa e com falhas em sua estrutura técnica, ao exemplo de, ao invés de começar tratando do Patrimônio de Afetação que é o centro de sua existência, inicia-se tratando do Regime Especial Tributário.


  1. ASPECTOS GERAIS DO PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO



Vale lembrar que, conforme a legislação atual, adotar o patrimônio de afetação fica a critério do incorporador e esta é a baliza deste trabalho. Eis o disposto no Art. 31-A da lei 4.591/64:


A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se- ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.


Em regra, o sujeito responde com seu patrimônio por suas obrigações, conforme preceitua o Código Civil em seu Art. 1.556 quando afirma que “não havendo título legal à preferência, terão os credores igual direito sobre os bens do devedor comum”. Partindo deste pressuposto, destacar / afetar determinados bens do patrimônio do sujeito para determinado fim específico só se faz possível se houver amparo legal sob pena de ocorrência de fraudes.


A possibilidade de afetação do patrimônio a uma determinada finalidade, vale dizer, de fracionamento e de vinculação de parte do conjunto de direitos e deveres que constituem o patrimônio a uma destinação específica constitui uma exceção à clássica posição doutrinária que atribui ao patrimônio de afetação o caráter da unicidade, da indivisibilidade, não admitindo pluralidade patrimonial na mesma pessoa. Nestes casos, tem-se portanto, uma permissão legal para que determinados patrimônios constituam unidades a parte, para que eles sejam considerados universalidades autônomas. (GHEZZI, 2007, p. 196, 197)


Mattos (2011, p. 45) aponta que a lei “[...] deve conter as regras de estabelecimento do patrimônio, tais como finalidade, forma de criação, limites, condições de extinção, sub-rogação de direitos, etc”. Esse amparo legal se fez possível através da regulamentação da Lei 10.931/04. Sobre a questão atentamos ao seguinte:


A necessidade de autorização legal se explica porque a separação patrimonial relativiza o princípio segundo o qual o patrimônio constitui garantia geral dos credores e, ainda, o princípio da livre utilização do patrimônio por parte de seu titular. De fato, a permissão legal para formação de patrimônios especiais faculta ao sujeito segregar ou excluir certos bens do seu patrimônio e dar-lhes destinação determinada, exclusiva; tal faculdade, se não disciplinada por regime legal especial e cercada de cautelas especiais, pode dar ensejo a fraude, daí a necessidade de intervenção legislativa, pela qual se estabeleça um regime especial de garantia a que a massa desse patrimônio estiver vinculada, com rigorosa limitação dos poderes ao cumprimento da finalidade para a qual tiver sido constituído o patrimônio separado. (CHALHUB, 2005, p. 81)


Podemos afirmar que o patrimônio de afetação é uma universalidade de direitos e obrigações, ou seja, créditos ou deveres resultantes da atuação, todos integrarão o patrimônio. No caso da incorporação imobiliária esta universalidade diz respeito a terreno, acessões, receitas, saldo em conta, débitos de ordem trabalhista e fiscal, obrigações, etc. (MATTOS, 2011, p. 46). Chalhub (2019, p.99) esclarece que “o patrimônio de afetação é, assim, uma universalidade de direitos e obrigações destinada ao cumprimento de determinada função e integrado ao patrimônio geral”. A respeito desta universalidade, estudemos esta afirmação que além de tudo, traz exemplos de afetações:


[...] dentro de um mesmo patrimônio, de determinados bens ou núcleos patrimoniais que, identificados por sua procedência ou destinação, são encapsulados no patrimônio geral do titular para que fiquem excluídos dos riscos de constrição por dívidas ou obrigações estranhas à sua destinação, como são os casos dos bens objeto de fideicomisso, o bem de família (Código Civil, arts. 1.711 e segs.), o imóvel de moradia da família (Lei n. 8.009/1990), entre outros. (PEREIRA, 2021, p. 323)


O patrimônio de afetação torna-se autônomo, justamente porque se faz necessário que este não esteja atrelado a outros negócios que não sejam aquele objeto da afetação. Para que se cumpra o objetivo do patrimônio de afetação, ele precisa ser incomunicável, sendo então a incomunicabilidade uma das características marcantes do instituto jurídico (MATTOS, 2011, p. 47). A legislação pertinente nos afirma no seguinte Artigo da Lei 4.591/64, que fora acrescido pela Lei 10.931/04:


Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se- ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes

§ 1o O patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva. (BRASIL, 2004)


Pereira (2021, p. 318) nos explica que a incorporação imobiliária é algo tão relevante em uma sociedade, envolvendo tantas partes e trazendo consequências tão importantes para o mercado financeiro, que a atenção especial despendida a ela e a viabilidade da afetação se tornam totalmente plausíveis, justificando então a incomunicabilidade.

Desta incomunicabilidade, resulta a segurança tão pretendida pelos adquirentes nas incorporações, pois ela garante que o patrimônio integrante desta não será tolhido por eventual insucesso em litígio que venha sofrer o incorporador, ou seja, o patrimônio estará vedado não podendo ser acessado por credores não vinculados ao empreendimento em questão (MATTOS, 2011, p. 48).

Eis a expressão de Aghiarian (2010, p. 177):


Para fins de certeza de sua finalidade de garantia, esses bens constituídos não se comunicarão com o patrimônio geral do incorporador, assim como de outros patrimônios de afetação, só respondendo por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva.


É mister que se destaque agora, a responsabilidade assumida pelo incorporador de responder com seus próprios bens na eventualidade de causar prejuízo ao patrimônio de afetação. O parágrafo 2º do Art. 31-A, da Lei nº 4.591/64, determina esta responsabilidade: “O incorporador responde pelos prejuízos que causar ao patrimônio de afetação” (BRASIL, 2004).

Por fim, destaca-se a oponibilidade a terceiros adquirida pelo patrimônio de afetação através da publicidade conferida a este quando registrado no memorial de incorporação junto ao registro de imóveis, conforme explicação de Mattos (2011, p. 48) quando diz que “somente atendendo ao princípio da publicidade é que se efetiva o atributo da segregação patrimonial e sua incomunicabilidade” e ainda Aghiarian (2010, p. 180) quando afirma que “considera-se constituído o patrimônio de afetação, mediante averbação, a qualquer tempo, no Registro de Imóveis, de termo firmado pelo incorporador”.


  1. A FALÊNCIA DO INCORPORADOR



Torna-se evidente a intenção de precaução e proteção no instituto do patrimônio de afetação, inclusive pelo exposto na Lei 10.931/04:

Art. 31-F. Os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação (BRASIL, 2004).


As abordagens históricas já relatadas neste trabalho levam ao entendimento de que o maior intuito quanto a criação da Lei 10.931/04 foi o resultado de proteger o patrimônio dos adquirentes em situações em que o incorporador não pudesse honrar com seu compromisso inicial de finalizar determinado empreendimento, como nos afirma Mattos (2011, p. 42) “a incorporação afetada fica resguardada contra eventuais insucessos do incorporador em seus outros negócios” e ainda Ghezzi (2007, p. 199):

Desta maneira, a eventual falência ou insolvência civil do incorporador não atingirá os patrimônios de afetação constituídos, afastando-se, por conseguinte, o terreno, as acessões e os demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objetos da incorporação.



A Lei 11.101/05, que regulamenta os processos de recuperação judicial e falência traz no seu bojo o seguinte:


Art. 119. Nas relações contratuais a seguir mencionadas prevalecerão as seguintes regras:

...

  1. – os patrimônios de afetação, constituídos para cumprimento de destinação específica, obedecerão ao disposto na legislação respectiva, permanecendo seus bens, direitos e obrigações separados dos do falido até o advento do respectivo termo ou até o cumprimento de sua finalidade, ocasião em que o administrador judicial arrecadará o saldo a favor da massa falida ou inscreverá na classe própria o crédito que contra ela remanescer. (BRASIL, 2005).


Assim que realizado o registro do patrimônio de afetação junto ao Registro de Imóveis competente, este patrimônio passará a responder somente pelas obrigações da incorporação imobiliária em questão, sem possibilidade de confusão com outras obrigações que digam respeito ao patrimônio geral do incorporador (GHEZZI, 2007, p. 198).

Nesse sentido, o incorporador separa o terreno e os direitos de construção que a esse terreno se vinculam do seu patrimônio e os destina exclusivamente aos objetivos do negócio específico, garantindo, conseguintemente, os futuros adquirentes. Assim, o empreendimento atende, com exclusividade, às obrigações dele decorrentes, como as fiscais, as relativas à aquisição de materiais e mão de obra entre outras, sem que seja possível garantir qualquer outra obrigação do incorporador, estranha àquela incorporação específica (SCAVONE, 2018, p. 151).


No caso de falência, ratifica-se a comissão de representantes definida no registro do patrimônio de afetação por assembleia por ela convocada, ou na hipótese de não convocação, um sexto dos adquirentes ou o Juiz que houver prolatado a decisão de falência poderão o fazer e neste caso, será ratificada a comissão já existente ou formada uma nova na mesma assembleia que definirá pela continuação ou não da obra.

Optando pela paralisação das obras, o patrimônio poderá ser liquidado em leilão revertendo-se os valores de forma proporcional a cada adquirente, lembrando que aqui são descontadas as dívidas de ordem fiscal, quanto a fornecedores, terreno ao proprietário quando este não for o próprio incorporador, etc.

Na hipótese de o valor resultante não ser suficiente para satisfação dos créditos junto aos adquirentes, estes se tornam credores privilegiados (SCAVONE, 2018, p. 154). É relevante trazer neste ponto a contribuição de Ghezzi (2007, p. 201) que faz a comparação da MP 2.221/01, em relação a Lei 10.931/04 que eliminou dentre as responsabilidades dos adquirentes os pagamentos referentes as dívidas de ordem tributária, previdenciária e trabalhistas que estivessem relacionadas com o patrimônio de afetação, desde que os fatos geradores houvessem ocorrido até a decretação da quebra do incorporador.

Na opção por continuidade da obra, a comissão recebe então mandato irrevogável para firmar com os adquirentes contrato de compra e venda definitivo, inclusive escritura pública de compra e venda com garantia real, no caso hipoteca ou alienação fiduciária, e passa a receber os dividendos agindo no lugar do incorporador perante os fornecedores, instituições financeiras e até mesmo se necessário, firmar novos contratos se cumpridos os vigentes (SCAVONE, 2018, p. 154-155). Questionamento natural a surgir baseado nesta hipótese, diz respeito a situação de o crédito não ser suficiente para a conclusão da obra e neste caso, Mattos (2011, p. 74) nos esclarece:

Neste caso, interpretando o caput do Art. 12, cada adquirente responderá individualmente pelo saldo a pagar , isto é, os adquirentes terão que promover a arrecadação de quantia suplementar, na forma de taxa extra. Embora a obrigação dos adquirentes seja limitada ao valor contratado (no contrato de incorporação por empreitada), isso não quer dizer que tal valor baste para terminar a obra. A solução, desfavorável aos compradores das unidades, é fazer o aporte suplementar e judicialmente demandar do incorporador este montante. O direito existe, o difícil é reaver os valores de alguém em situação falimentar.


Quanto aos passos apresentados, estudemos o disposto na Lei 10.931/04:


Art. 31-F. Os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação.

...

§ 14. Para assegurar as medidas necessárias ao prosseguimento das obras ou à liquidação do patrimônio de afetação, a Comissão de Representantes, no prazo de sessenta dias, a contar da data de realização da assembleia geral de que trata o § 1o, promoverá, em leilão público, com observância dos critérios estabelecidos pelo art. 63, a venda das frações ideais e respectivas acessões que, até a data da decretação da falência ou insolvência não tiverem sido alienadas pelo incorporador.

§ 15. Na hipótese de que trata o § 14, o arrematante ficará sub-rogado, na proporção atribuível à fração e acessões adquiridas, nos direitos e nas obrigações relativas ao empreendimento, inclusive nas obrigações de eventual financiamento, e, em se tratando da hipótese do art. 39 desta Lei, nas obrigações perante o proprietário do terreno.

§ 16. Dos documentos para anúncio da venda de que trata o § 14 e, bem assim, o inciso III do art. 43, constarão o valor das acessões não pagas pelo incorporador (art. 35, § 6o) e o preço da fração ideal do terreno e das acessões (arts. 40 e 41).

§ 17. No processo de venda de que trata o § 14, serão asseguradas, sucessivamente, em igualdade de condições com terceiros:

  1. - ao proprietário do terreno, nas hipóteses em que este seja pessoa distinta da pessoa do incorporador, a preferência para aquisição das acessões vinculadas à fração objeto da venda, a ser exercida nas vinte e quatro horas seguintes à data designada para a venda; e

  2. - ao condomínio, caso não exercida a preferência de que trata o inciso I, ou caso não haja licitantes, a preferência para aquisição da fração ideal e acessões, desde que deliberada em assembleia geral, pelo voto da maioria simples dos adquirentes presentes, e exercida no prazo de quarenta e oito horas a contar da data designada para a venda.

§ 18. Realizada a venda prevista no § 14, incumbirá à Comissão de Representantes, sucessivamente, nos cinco dias que se seguirem ao recebimento do preço:

  1. - pagar as obrigações trabalhistas, previdenciárias e tributárias, vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação, observada a ordem de preferência prevista na legislação, em especial o disposto no art. 186 do Código Tributário Nacional;

  2. - reembolsar aos adquirentes as quantias que tenham adiantado, com recursos próprios, para pagamento das obrigações referidas no inciso I;

  3. - reembolsar à instituição financiadora a quantia que esta tiver entregue para a construção, salvo se outra forma for convencionada entre as partes interessadas;

  4. - entregar ao condomínio o valor que este tiver desembolsado para construção das acessões de responsabilidade do incorporador (§ 6o do art. 35 e § 5o do art. 31-A), na proporção do valor obtido na venda;

  5. - entregar ao proprietário do terreno, nas hipóteses em que este seja pessoa distinta da pessoa do incorporador, o valor apurado na venda, em proporção ao valor atribuído à fração ideal; e

  6. - entregar à massa falida o saldo que porventura remanescer. (BRASIL, 2004).


Como informação derradeira, na hipótese de sobra de valores referente aos créditos para conclusão da obra, Scavone (2018, p. 155) nos ensina que “esse valor deverá ser entregue, pela Comissão de Representantes, à massa falida do incorporador”.



  1. PRINCÍPIOS DO DIREITO: A SUPREMACIA DA BOA FÉ OBJETIVA



Os princípios fundamentais do direito têm importância indescritível para nosso ordenamento jurídico, de forma a serem frequentemente utilizados para os deslindes no judiciário, sendo encontrados nos mais variados precedentes dos tribunais de nosso país.

Antes que se esqueça, os princípios constituem a base de todo o ordenamento, são os alicerces em que se fundam o direito pátrio. As aulas lotadas em que se analisam institutos de direito positivo estão sempre submetidas a tais pilares. Aquelas são perfeitamente alteradas com um quórum mínimo no Congresso Nacional. Esses constituem cláusula pétrea, não da Constituição, mas do ordenamento (NICOLAU, 2015, p. 1).


Em sequência, nos aprofundaremos nos motivos que geram a importância destes princípios, destacando a supremacia da boa fé objetiva para o bom andamento de todo e qualquer negócio jurídico.


  1. OS PRINCÍPIOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO



A importância dos princípios torna-se evidente no ordenamento jurídico, quando desde a Lei de introdução ao código civil, decreto-lei 4667/42 em seu Art. 4º encontramos a orientação de que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (BRASIL, 1942). Estes princípios se desenvolveram e desenvolvem-se ao longo do tempo servindo de base para a aplicação do direito nas necessidades da sociedade, conforme nos afirma o seguinte autor:


Não se julgue, porém, que, ao se criarem os primeiros costumes e, posteriormente as primeiras leis escritas, o povo ou o legislador tiveram a consciência exata daqueles princípios e, só depois de considera-los maduramente, passaram a exarar o direito normativo correspondente as diversas injunções jurídicas que se lhes foram apresentando. Não. O conhecimento que se tem das origens do direito, especialmente através das últimas contribuições da Sociologia Jurídica e, de modo particular, da escola Histórico-Cultural, mostra bem como a ideia da justiça, embora imanente à natureza humana, surgiu, de início, de maneira rudimentar, experimentou as mais diversas distorções e modificações em face da realidade fática e, gradativamente, passando pelo cadinho das variegadas culturas, veio afirmando e aprimorando a respectiva noção.




Na verdade, parece ter sido do contato dessa noção com as imposições das necessidades sociais que foi surgindo o direito positivo do mesmo modo que terá sido da experiência obtida com a aplicação do Direito Positivo àquelas necessidades que se foi aclarando a ideia de que, acima das Leis, existem princípios naturais que as devem reger, sem o que ou elas se tornam inaplicáveis ou, aplicadas, levam a sociedade ao descalabro. (FRANÇA, 2010, p. 32,33)


Trazendo o entendimento de Alexy (2006, p. 90) os princípios são considerados mandamentos de otimização, que podem ser sopesados, ou seja, não limitados a serem atendidos em sua totalidade ou não (o que acontece no caso das regras, questão que não nos aprofundaremos neste trabalho), mas podem ser considerados no caso concreto com base nas possibilidades fáticas e jurídicas. Segundo o autor, os princípios têm grande importância para o ordenamento jurídico, avançando das situações mais gerais para as especiais não sendo normas criadas, mas sim, desenvolvidas decorrendo inclusive por tradição das decisões judiciais que difundem o que deve ser o direito.

Eis o conceito de Ávila (2015, p.102):


Os princípios são normas imediatamente finalísticas primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária a sua promoção.


Para o autor, os princípios são normas finalísticas, visam atingir a um fim pretendido e para que isso aconteça, depende que os meios empregados, as atitudes, estejam em consonância com o fim pretendido e para melhor compreensão, utiliza o seguinte exemplo:

Por exemplo, o princípio da moralidade exige a realização ou preservação de um estado de coisas exteriorizado pela lealdade, seriedade, zelo, postura exemplar, boa fé, sinceridade e motivação. Para a realização desse estado ideal de coisas são necessários determinados comportamentos. Para efetivação de um estado de lealdade e boa fé é preciso cumprir aquilo que foi prometido. Para realizar um estado de seriedade é essencial agir por motivos sérios. Para tornar real uma situação de zelo é fundamental colaborar com o administrado e informá-lo de seus direitos e da forma como protegê-los. Para concretizar um estado em que predomine a sinceridade é indispensável falar a verdade. Para garantir a motivação é necessário expressar porque se age. Enfim, sem esses comportamentos não se contribui para a existência do estado de coisas posto como ideal pela norma, e, por consequência, não se atinge o fim. Não se concretiza, portanto, o princípio (ÁVILA, 2015, p. 103).


Silva (2008, p. 148) nos orienta que os princípios podem ser formais a medida que são aplicados não necessariamente baseados no conteúdo da norma, mas fornecendo razões para obediência desta, como no caso dos precedentes judiciais que acabam por influenciar a aplicação de uma norma pelo simples fato de já ter sido utilizada para dirimir questão semelhante.

Tratando de uma possível colisão entre princípios, Silva (2008,p. 34) corroborando o entendimento de Alexy, afirma que um princípio não será desconsiderado em detrimento de outro, e caso isso acontecesse, não estaríamos diante de um princípio. Fala-se então em preferência, ou seja, na análise do caso concreto um princípio pode ganhar mais relevância em relação ao outro sem que este seja desconsiderado ou declarado inválido para o caso.

Partimos da base de que qualquer conhecimento de ordem filosófica, ou científica possui a existência de princípios, ou seja, verdades admitidas que validam toda construção realizada em determinada ciência. É o que nos propõe Reale (2002,

p. 303) trazendo ainda que estas “verdades” são essenciais, ganhando o posto de pressupostos para validação das pesquisas e afirmações.

O autor traz a importante informação de que a relevância dos princípios é um dos pontos convergentes em diversos países de tradição romanística, indicando a importância dos princípios para a otimização do direito. É evidente que o próprio legislador reconhece o dinamismo do direito e a impossibilidade de prever todas as situações que virão a se desenvolver ao longo dos anos e para isso, dá-se a aqui expressada importância que possuem os princípios para nortear as lacunas existentes, possuindo importância ainda maior do que simplesmente preencher estas.


A nosso ver, princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão, quer para sua aplicação e integração, quer para elaboração de novas normas. Cobrem deste modo tanto o campo da pesquisa pura do direito quanto o de sua atualização prática.

Algum deles se revestem de tamanha importância, que o legislador lhes confere força de lei, com a estrutura de modelos jurídicos, inclusive no plano constitucional, consoante dispõe a nossa Constituição sobre os princípios de isonomia (igualdade de todos perante a Lei), de irretroatividade da lei para os direitos adquiridos, etc (REALE, 2002, p. 304, 305).


Reale (2002, p. 306) segue afirmando que os princípios podem ganhar a força coercitiva através da legislação, porém nos precedentes judiciais, é que se encontram sua forma mais evidente alçando-os a patamares cada vez maiores à medida que são usados pelos magistrados para dirimir questões das mais variadas ordens revelando assim o melhor direito para o caso concreto. O autor traz a reveladora explicação:


Bastará alguns exemplos para se verificar a complexidade e a variedade destes conceitos ou pensamentos gerais que informam a Jurisprudência. Eles se abrem em um leque de preceitos fundamentais, desde a intangibilidade dos valores da pessoa humana, vista como fulcro de todo ordenamento jurídico, até os relativos à autonomia da vontade e à liberdade de contratar; a boa fé como pressuposto da conduta jurídica; a proibição de locupletamentos ilícitos; ao equilíbrio dos contratos com a condenação de todas as formas de onerosidade excessiva para um dos contratantes; a preservação da autonomia da instituição familiar; a função social da propriedade; à economia das formas e dos atos de procedimento; à subordinação da atividade administrativa aos ditames legais; a proteção da rápida circulação de riquezas e à crescente formalização de crédito; à exigência de justa causa nos negócios jurídicos; aos pressupostos da responsabilidade civil ou penal etc. etc (REALE, 2002, p. 305, 306).


Quanto mais nos aprofundamos no estudo dos princípios, percebemos que em dados momentos será necessário sopesar em grau de maior importância um princípio em detrimento do outro, fato que abordaremos neste capítulo quando o princípio da boa fé é confrontado com o princípio da livre iniciativa.


  1. O PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA



Este princípio é de longe um dos mais celebrados em nosso ordenamento jurídico e uma bússola para todos os negócios jurídicos. Não se trata apenas de um estado momentâneo, no “estar de boa fé”, mas sim de uma conduta esperada e mais do que isso, em uma conduta já pautada em muitos precedentes jurídicos baseados justamente neste princípio norteador aos magistrados, que o validam nas jurisprudências, diz Martins-Costa (2018, p. 34).

A autora traz o importante alerta de que, embora tratando-se de um princípio, fadado ao sopesamento de forma discricionária pelos magistrados, aquele possui um conteúdo mínimo a ser considerado, pautado na probidade correção e comportamento leal hábeis. Vejamos:


Conquanto impossível – tecnicamente – definir a boa-fé objetiva, pode-se, contudo, indicar, relacionalmente, as condutas que lhe são conformes (valendo então a expressão como forma metonímica de variados modelos de comportamento exigíveis na relação obrigacional), bem como discernir funcionalmente a sua atuação e eficácia como (i) fonte geradora de deveres jurídicos de cooperação, informação, proteção e consideração às legítimas expectativas do alter, copartícipe da relação obrigacional; (ii) baliza do modo de exercício de posições jurídicas, servindo como via de correção do conteúdo contratual, em certos casos, e como correção ao próprio exercício contratual; e (iii) como cânone hermenêutico dos negócios jurídicos obrigacionais. Ao assim atuar funcionalmente, a boa-fé serve como pauta de interpretação, fonte de integração e critério para a correção de condutas contratuais (e, em certos casos demarcados em lei, inclusive para a correção do conteúdo contratual) (MARTINS-COSTA, 2018, p. 35).



Sobre a forma de utilização deste princípio pelos julgadores, Aguiar Júnior (1995, p. 20) sugere que mesmo antes de analisar o caso concreto, há uma regra implícita que conduz os juízes a fixarem a forma com deveria agir o indivíduo em situação semelhante. Chegada a esta conclusão, faz-se a adequação ao caso concreto para entender se houve a conduta esperada, considerada neste caso por muitos autores a boa fé como “cláusula geral”.

Estas cláusulas gerais têm função inovadora, mesmo quando ausente a inovação por meio de lei. Seguindo ensinamento de Martins-Costa (2018, p. 113) todo este sistema de valoração que vai sendo acumulado por meio dos precedentes ao longo do tempo, traz aos magistrados subsídios para um julgamento mais robusto e adequado a ocasião e tempo. É importante ressaltar que estes casos pretéritos não são limites a interpretação do juiz em um caso concreto, mas servem de base para um direcionamento pois naturalmente o mundo, em sua literalidade se move de forma muito veloz sendo necessário que o mundo jurídico então esteja aberto a estas atualizações através de seus julgadores mesmo quando a lei não ser inovada com a mesma rapidez.

A autora alerta que, claro, faz-se necessário discernir no caso concreto se tal norma de conduta previamente consagrada pelos precedentes pode ser generalizada ao ponto de se adaptar ao caso em específico. No caso de insucesso, nada impede que exista, o que por ela é chamado de ressistematização, ou seja uma interpretação prudente baseada no princípio da boa fé que seja conexa com o caso concreto.

Diga-se, quanto ao reenvio extrassistemático, que um standard comportamental reconhecido como arquétipo exemplar de determinada experiência concreta; ou uma diretiva econômica; ou um valor moral; ou um rol de precedentes judiciais, se considerados de per se não são, por evidente, normas juridicamente vinculantes com caráter geral. Contudo, mediados pelas fontes legal e jurisprudencial – uma, ao plasmar a cláusula geral, outra, ao preencher concretamente o seu significado – poderão ingressar no sistema jurídico, sendo as cláusulas gerais a via tecnicamente adequada para essa finalidade. Pode, então, o standard reenviar a um valor moral, exemplificativamente, a probidade na relação contratual. Trata-se, contudo, de moral jurídica, e não pré-jurídica ou ajurídica, isto é, trata-se de moral juridicamente controlável, porque provinda de fonte reconhecida pelo ordenamento e traduzida por decisões juridicamente fundamentadas no próprio sistema. Já então se poderá dizer que o objeto do reenvio está no plano do jurídico, e não em outro plano ou instância do todo social (MARTINS- COSTA, 2015, p. 113).



Embora não sendo aprofundado neste estudo, faz-se importante trazer a contribuição de Nicolau (2015, p. 554) para que possamos fazer distinção entre a chamada boa fé subjetiva e boa fé objetiva (centro do estudo). A boa fé subjetiva, já remontando as origens do direito positivo diz respeito a uma ignorância individual sobre determinado vício em tal negócio jurídico que venha prejudicar uma das partes. Comprovada sua ignorância, o indivíduo tem proteção por parte do direito, o que não acontece se comprovada sua intenção em locupletar. Eis o exemplo sugerido pelo autor:

Assim atua o devedor que paga ao credor putativo, ignorando estar pagando errado (art. 309 do CC). É o caso, por exemplo, do locatário que paga todo mês diretamente nas mãos do seu locador durante anos. Com o falecimento deste, passa o locatário a pagar seus alugueres para o único filho conhecido do proprietário, o que realiza com tranquilidade durante alguns meses. Tempos depois retorna de uma longa viagem o outro filho do locador – até então desconhecido do locatário – pleiteando metade do que foi pago ao seu irmão. Prestigiando a boa fé subjetiva do locatário a lei considera plenamente válido o pagamento teoricamente equivocado (NICOLAU, 2015, p. 555).


Segundo Nicolau (2015, p. 556), por sua vez, a boa fé objetiva é o padrão de conduta esperado do “homem médio”, o agir zeloso, probo, íntegro, reto, etc. Neste caso não basta que um contrato seja estritamente seguido segundo o que foi escrito, a autonomia de vontade das partes, mas que de fato sejam pensados os direitos e deveres transacionados naquele acordo em sua função social, no dever de alertar ou de guardar sigilo, por exemplo, quando se fazer necessário ao caso concreto.


A chamada boa-fé objetiva configura, diferentemente, uma norma jurídica. A expressão boa-fé objetiva (boa-fé normativa) designa não uma crença subjetiva, nem um estado de fato, mas aponta, concomitantemente a: (i) um instituto ou modelo jurídico (estrutura normativa alcançada pela agregação de duas ou mais normas); (ii) um standard ou modelo comportamental pelo qual os participantes do tráfico obrigacional devem ajustar o seu mútuo comportamento (standard direcionador de condutas, a ser seguido pelos que pactuam atos jurídicos, em especial os contratantes); e (iii) um princípio jurídico (norma de dever ser que aponta, imediatamente, a um estado ideal de coisas (MARTINS-COSTA, 2018, p. 181).


Em um negócio jurídico, parte-se do pressuposto de que as partes integrantes do acordo serão leais na fase pré-contratual e seguirão sendo após firmado o negócio. Não sendo desta forma, as relações humanas seriam impossíveis. Essa expectativa de boa fé entrepartes está diretamente ligada aos direitos e deveres assumidos em um acordo sendo que os direitos devem ser exercitados de boa fé e os deveres praticados de mesma forma, é o que nos diz Aguiar Júnior (1995, p. 11). Esta expectativa que é esperada nos negócios jurídicos diz respeito aos chamados deveres anexos que são impostos pelo princípio da boa fé objetiva.

Os deveres anexos são aqueles que vão além das cláusulas nucleares, ou seja, as obrigações centrais de um contrato, conforme nos expressa Nicolau (2015, p. 557). Além destas obrigações nucleares, centrais, assumidas, existem aquelas que fazem parte da transação de forma anexa baseadas justamente naquela expectativa de lidar com pessoas de caráter ilibado, e boa índole. A título de exemplo o autor contribui:

Falta com o dever de informação plena o locatário do auditório que não alerta os locatários (coordenadores de um curso) que na sala ao lado haverá a partir do meio dia uma grande confraternização de fim de ano, muito provavelmente rumorosa. [...] Fere o dever de lealdade o artista que passa a ceder sua imagem para empresa concorrente debochando da anterior a quer era vinculado. Não age de acordo com a boa-fé objetiva o advogado que divulga segredos do seu cliente obtidos por dever de seu ofício, violando o dever de sigilo (NICOLAU, 2015, P.558)


Este autor (2015, p. 557) continua afirmando que estes são os deveres de proteção, que trazem a segurança ao contratante, destacando-se aqui a segurança em relação ao sigilo que deve ser guardado em relação a intimidade e vida privada da parte, a total informação dos termos contratados sem que existam termos obscuros no instrumento com intuito de dificultar a interpretação e aqui, encontramos um ponto basilar deste trabalho, quando tomamos o exemplo de alguém que está por adquirir um imóvel a ser construído por uma construtora / incorporadora.


  1. O CONFRONTO ENTRE BOA FÉ OBJETIVA E LIVRE INICIATIVA



Para que possamos tratar do confronto a ser estudado neste trabalho, depois de desenvolvido o princípio da boa fé objetiva torna-se necessário entendermos o princípio da livre iniciativa. Sacchelli (2013, p. 254), pontua que historicamente este princípio se desenvolveu na necessidade dos povos em se organizarem e assim gerarem riquezas entre si, buscando satisfazer as necessidades humanas que são crescentes, variáveis e ilimitadas. A autora expressa:


A sociedade desenvolve suas atividades segundo um sistema de regras e regulamentos em termos políticos, econômicos e sociais. Assim, regras são criadas determinando as normas de conduta que asseguram a existência e a conservação das relações comerciais, visto que as necessidades evoluem com o avanço das tecnologias, como também as maneiras de comercializar e distribuir os bens (SACCHELLI, 2013, p. 254).



Sumariamente, a atenção que merece este princípio está refletida em sua consagração pela Constituição Federal, quando o posiciona logo em seu Art. 1º ao lado de tantos outros princípios sociais basilares de nossa nação:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania;

  1. - a dignidade da pessoa humana;

  2. - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político (BRASIL, 1988).


A livre iniciativa é ideia de liberdade, alinhada a outros princípios como legalidade e autonomia de vontade. Neste sentido torna-se claro que vai além da questão econômica, mas fala diretamente a liberdade que possui o cidadão de empreender, escolher onde irá aplicar seu dinheiro, se irá ajudar ou não a outrem. O princípio também é geral a ordem econômica sendo um regime de economia de mercado onde impera a lei de oferta e procura, conforme Barroso (2014, p. 10, 11). Além do mais, Frade e Baracho (2013, p. 418) vêm ressaltar a importância deste princípio para o estado brasileiro sendo um dos pilares essenciais para a manutenção do país. Os autores ainda se referem a um dúplice grau de importância destacado ao princípio quando este se faz presente tanto na percepção da ordem econômica quanto na perpetuação do estado, como destacado no Art. 1º da Constituição Federal.

A liberdade de iniciativa econômica no mercado possui conteúdo ambíguo. Ela designa tanto a liberdade de empresa, como liberdade de acesso ao exercício de profissões (liberdade contratual). Subtende igualmente liberdade contratual, que permite ao agente econômico produzir, comprar, vender, fixar preço, quantidades em função de sua vontade, limitada pela reciprocidade contratual. (DERANI, 2000, p. 174)


Discutindo sobre o tema, Faria (1990, p. 106, 107) afirmou que “toda atividade econômica deve reger-se pelo princípio da livre iniciativa, em oposição ao qual encontram-se o monopólio de direito e a intervenção na vida econômica” e ainda destaca a importância deste princípio quando ressalta a inclusão deste junto aos princípios fundamentais do Estado e os de ordem econômica.

Buscando agora conduzir o estudo para reflexão sobre o sopesamento destes princípios tão importantes que permeiam uma relação de consumo, sendo cristalino a polaridade existente entre eles, como bem afirmou Martins-Costa (2018,

p. 200), aqui dialogando com a incorporação imobiliária e patrimônio de afetação, centro de estudo deste trabalho e ainda visualizando ao caso a exata polaridade destes princípios citada pela autora, corroborada pela edição da PL 5092/13, em tramitação, que visa tornar obrigatória a adoção do patrimônio de afetação por todos os incorporadores, recebendo no entanto um parecer negativo por parte da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio com as seguintes palavras do Relator:

No entanto, entendemos que a obrigatoriedade da instituição de patrimônio de afetação para todas as incorporações e empreendimentos de parcelamento do solo limita a liberdade negocial das empresas em clara afronta ao princípio da livre iniciativa (BRASIL, 2013).


Como já tratado no segundo capítulo, em menção a Mattos (2011, p. 49) sabemos que a Lei do patrimônio de afetação (assunto tratado em detalhes no capítulo mencionado) surge devido a uma demanda da sociedade após a trágica falência da construtora Encol. Em consequência o mercado imobiliário, representado pelas construtoras e incorporadoras, ampliando ao ramo da construção civil como um todo, estava sofrendo e sofreria ainda mais com a dificuldade pelo descrédito do mercado naquele período. Sabemos que neste momento ímpar para o mercado imobiliário do país a Lei 10.931/04 foi promulgada de forma que a adoção do instituto ficasse a critério do incorporador, que fazendo esta opção, receberia uma alíquota diferenciada em relação aos impostos.


Art. 1º Fica instituído o regime especial de tributação aplicável às incorporações imobiliárias, em caráter opcional e irretratável enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação (BRASIL, 2004).


Quando nos referimos ao princípio da boa fé objetiva, que foi tratada aqui em tópico especial, entendemos da importância em relação a clareza com que deve ser tratado o consumidor, recebendo e tendo acesso a total informação em relação ao negócio jurídico que está realizando, para que tenha a oportunidade de realizar o negócio mais seguro possível tendo em vista o alcance do objetivo final, reportando- me a Nicolau, (2015, p. 557) e no caso de uma aquisição imobiliária, este objetivo consequentemente é a entrega da unidade adquirida. Quando falamos em consumidor, na bússola das relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor, temos a consagração de vários deveres que remetem diretamente ao princípio da boa fé que positivados em uma lei federal trazem a possibilidade de um decisum não somente baseado em um princípio, mas justificado por lei especial.


Percebe-se no art. 30 que se refere aos enunciados sobre oferta, arts. 9º, 12, 14, 31 e 52, que se referem aos deveres de informação, arts. 36 e 37 que se referem aos deveres de lealdade e probidade na publicidade (AGUIAR JUNIOR, 1995, p. 11, 12). Nesta seara, no artigo direcionado aos direitos básicos do consumidor,

chamo atenção para o seguinte no CDC: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” (BRASIL, 1990) e baseado neste ordenamento jurídico, quando tratamos de uma incorporação imobiliária é possível perceber o patrimônio de afetação como uma excelente forma de mitigar eventual prejuízo ao consumidor / investidor, o que gera estranheza seu caráter não obrigatório.

Diga-se também, que o princípio da livre iniciativa quando consagrado pela Constituição Federal de 1988, recebeu alguns “freios”:


Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional; II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; IV - livre concorrência;


  1. - defesa do consumidor;

  2. - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

  3. - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (BRASIL, 1988).


Em destaque, perceba a “defesa do consumidor” pontuada no inciso V e a “função social da propriedade” descrita no inciso III. Em relação a estes “freios”, em específico a função social da propriedade, Sacchelli (2013, p. 263) ressalta que a empresa com os fatores de produção está submetida ao caput do art. 170 da CF/88 que diz respeito a “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” e ainda destaca que a garantia da propriedade privada dialoga diretamente com a existência do indivíduo, sendo um pressuposto de sua liberdade. A propriedade deve ser utilizada em favor da sociedade, servindo para o interesse coletivo sem que interesses individuais se sobreponham.

Em feliz declaração, Águiar Júnior (1995, p. 05) expressa que o interesse do coletivo sempre deverá prevalecer em relação ao interesse individual, destacando que a boa fé não é apenas um conceito ético, mas também econômico a serviço da finalidade econômico-social que o contrato persegue.


São dois os lados, ambos iluminados pela boa-fé: externamente, o contrato assume uma função social e é visto como um dos fenômenos integrantes da ordem econômica, nesse contexto visualizado como um fator submetido aos princípios constitucionais de justiça social, solidariedade, livre concorrência, liberdade de iniciativa etc., que fornecem os fundamentos para uma intervenção no âmbito da autonomia contratual; internamente, o contrato aparece como o vínculo funcional que estabelece uma planificação econômica entre as partes, às quais incumbe comportar-se de modo a garantir a realização dos seus fins e a plena satisfação das expectativas dos participantes do negócio. O art. 4º do Código se dirige para o aspecto externo e quer que a intervenção na economia contratual, para a harmonização dos interesses, se dê com base na boa-fé, isto é, com a superação dos interesses egoísticos das partes e com a salvaguarda dos princípios constitucionais sobre a ordem econômica através de comportamento fundado na lealdade e na confiança (AGUIAR JÚNIOR, 1995, p. 05).


Por derradeiro, nesta relação entre incorporador e adquirente, analisemos o entendimento de Martins-Costa acerca do elo de confiança e suas nuances em relação ao princípio da boa fé:


Assim, devendo ser concretizada em imediata ligação com os usos do tráfico e com o ambiente do mercado, nesse campo adquire o princípio da boa-fé tons e cores modulados por uma paleta de significações advindas do viés confiança em seus matizes: a confiança como confiabilidade ou credibilidade (valorizando-se a posição do agente, isto é, o investimento de confiança daquele que recebe determinada ação ou declaração bem como, por exemplo, a posição de autoridade do emissor da declaração); e a confiança como previsibilidade necessária para o cálculo do investidor, sócio, ou empresário para poder mensurar o risco, apresentando-se especialmente, então, como elemento da segurança jurídica. A confiança é, como bem aponta Anna Lygia Costa Rego, elemento no processo decisório do investidor, espinha dorsal das transações econômicas tanto em seu viés de credibilidade quanto em suas repercussões na segurança das transações. Tanto assim que recentes e sucessivas crises que afetaram o comércio internacional, levando, em alguns países, a reformas legislativas (como a Lei Sarbanes-Oxley, de 2002, nos Estados Unidos) tiveram o seu núcleo na perda da confiança nos mercados financeiros e de capitais, atingindo o comércio em sua essência econômica (MARTINS-COSTA, 2018, p. 200).


Conforme o estudo realizado, analisado ao caso concreto da incorporação imobiliária, tem-se por evidente que no sopesamento de princípios, a boa fé objetiva deve receber lugar de destaque em relação a livre iniciativa sob pena de prejuízo das partes hipossuficientes.



CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discorrendo sobre um dos mais importantes institutos de nosso ordenamento jurídico, entendemos sobre a propriedade e sua importância, inclusive histórica, para nossa sociedade. Conforme a pesquisa, tornou-se claro que a propriedade tem relação direta com a existência do indivíduo e a conquista de sua liberdade. Adentrando ao tema, passamos a entender seus elementos, características e objeto que puderam nos levar a ampla compreensão da propriedade, instituto diretamente ligado ao estudo deste trabalho.

A propriedade comum, tem ligação ainda mais profunda com o tema, pois ao tratarmos de incorporação imobiliária, naturalmente lidamos com a criação de empreendimentos que terão mais de um proprietário, gerido pelo incorporador arrecadando os recursos dos vários proprietários para a consecução da obra. Desta forma, o trabalho trouxe as modalidades de condomínio comum, com destaque para o condomínio edilício que está intimamente ligado com o tema em estudo.

Como não poderia ser diferente devido ao tema estudado, foi aprofundado o estudo sobre a incorporação imobiliária. Esta serve como base para a monografia, pois foi possível entender que a partir dela pôde se desenvolver a ideia do patrimônio de afetação, ápice desta pesquisa. Historicamente, a promulgação da lei 4.591/64 foi de extrema importância pois antes desta, havia desorganização no mercado além da grande insegurança jurídica causada pela falta de regulamentação. Na incorporação imobiliária podemos conhecer o incorporador, figura determinante para o desenvolvimento desta incorporação, cumprindo as exigências da lei, buscando a realização do projeto e de forma lógica, auferir o lucro produzido por este.

Com o afunilamento da pesquisa, adentrou-se ao patrimônio de afetação. Os infortúnios causados pelo insucesso de incorporações imobiliárias que não cumpriram seu propósito devido a diversos fatores e na maioria destes, ingerência e problemas com a gestão, levaram milhares de brasileiros a situações desesperadoras por ficarem sem o seu desejado empreendimento e ainda não possuir meios de recuperar os investimentos que haviam sido adiantados. Os aspectos do instituto e os atos desencadeados em caso de falência do incorporador foram aqui abordados agregando este importante conhecimento.


Já no capítulo derradeiro, restando claro que os princípios do direito seriam fontes extremamente relevantes para as respostas da pesquisa proposta, realizou-se estudo da importância destes princípios para o ordenamento jurídico. Por ser impossível ao direito, devido ao dinamismo e evolução da sociedade, prever todas as situações que se desenvolvem ao longo do tempo, os princípios vêm servir como norte para o deslinde destas situações, fazendo então parte dos precedentes que se formam nos tribunais.

O cerne deste trabalho, revelado pelo tema “incorporação imobiliária: patrimônio de afetação e segurança jurídica” é justamente uma busca pela compreensão do patrimônio de afetação e de forma incisiva entender a plausibilidade de seu caráter não obrigatório. Esta afirmação revela o problema da pesquisa: cumpre-se o maior intuito do patrimônio de afetação que é oferecer maior segurança jurídica a um adquirente, quando aquele acaba por ser opcional ao incorporador?

Para compreensão desta dúvida, dois princípios se revelaram conflitantes e foram estes o princípio da boa fé objetiva e o princípio da livre iniciativa. Restou claro que no confronto entre princípios, um não invalida o outro, porém deve ser sopesado e no caso concreto um pode receber maior peso em detrimento do outro para o julgamento da questão. Em suma, o princípio da boa fé objetiva, é aquele que traz às negociações o que se espera de informações claras e maior segurança possível para que ambas as partes possam cumprir seus direitos e obrigações para o sucesso da transação e no caso de uma compra envolvendo unidade incorporada, o sucesso do negócio passa pelo certo pagamento e pela certa entrega do empreendimento.

Sendo apresentado neste trabalho inclusive, orientações do CDC, foi possível concluir que o patrimônio de afetação e a organização que o instituto oferece para uma incorporação imobiliária, exigindo assim maior organização financeira e contábil culminando em exigência de melhor gestão do incorporador, é excelente “trava” para os prejuízos que possa vir a sofrer um adquirente que na esmagadora maioria das vezes, é parte hipossuficiente na transação. Neste caso, não há que se favorecer a livre iniciativa em relação ao princípio da boa fé objetiva que clama por tornar obrigatório o patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias tornando o mercado imobiliário mais seguro a todos.




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