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IA e robótica: entre a automação e a (des)proteção do trabalho humano

  • pesquisaeextensaoc
  • 28 de fev. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 12 de jul. de 2021

Rodrigo Goldschmidt- juiz do Trabalho do TRT-12, pós-doutor em Direito pela PUC/RS, doutor em Direito pela UFSC, professor e pesquisador da UNESC.

Vivian Maria Caxambu Graminho - advogada, mestra em Direito pela UNESC e professora.


Isaac Asimov sempre considerou os robôs como máquinas avançadas que deveriam ser utilizadas com bom senso. Segundo o escritor, os robôs poderiam ser perigosos, contudo, cabia aos seres humanos inserir dispositivos de segurança com a finalidade de aperfeiçoar os modelos. Assim, criou as "três leis da robótica", que se revelaram as diretivas talvez mais importantes de sua carreira, segundo as quais um robô: não pode fazer mal a um ser humano ou, por omissão, permitir que sofra algum mal; deve obedecer às ordens dos seres humanos, desde que inexista conflito com a primeira lei; e deve proteger a própria existência, salvo se essa proteção colidir com as duas primeiras leis. Posteriormente, verificou a necessidade de acrescentar a "lei zero" em que "um robô não pode prejudicar a humanidade ou, pela inação, permitir que a humanidade seja prejudicada", ou seja, entendia que preservando a humanidade, considerada um bem maior, estar-se-ia preservando também os seres humanos.

Passados mais de 80 anos da publicação de seu primeiro conto sobre robôs, o futuro idealizado por Asimov chegou: veículos autônomos, robôs industriais, humanoides, eletrodomésticos inteligentes e assistentes virtuais que, no início da Terceira Revolução Industrial, eram retratados apenas em filmes de ficção e desenhos animados futuristas. Hoje, com a Revolução 4.0, fazem parte do dia a dia da sociedade. A criação dessas tecnologias inovadoras está não só impactando o modo de viver dos indivíduos como também proporcionando benefícios, como por exemplo o diagnóstico preciso e o tratamento eficaz de doenças.

No entanto, esse aparato tecnológico que facilita a vida dos indivíduos é o mesmo que ameaça seus direitos fundamentais, principalmente no tocante às relações de trabalho. Ou seja, empregadores que antes contavam eminentemente com a mão de obra humana, hoje utilizam soluções tecnológicas avançadas, como a inteligência artificial (IA) e a robótica para automatizar suas linhas de produção e escritórios, reduzindo custos e aumentando significativamente a produtividade. A utilização em massa dessas ferramentas tecnológicas no âmbito das relações laborais está gerando preocupações à classe trabalhadora, em razão da possibilidade de substituição gradativa da mão de obra humana pelas máquinas, causando o desemprego tecnológico.

Inúmeros pesquisadores há anos vêm alertando sobre a utilização de novas tecnologias no mercado laboral e a potencial ameaça aos postos de trabalho. De acordo com especialistas, a IA possui forte tendência para substituir atividades rotineiras e previsíveis, podendo atingir, inclusive, trabalhadores altamente treinados e ocupações típicas de profissionais de nível superior, como contadores e auditores. Até mesmo segmentos do mercado considerados difíceis de serem automatizados, podem se tornar vítimas da automação, como o setor de transportes, que vem se preparando para a utilização em massa de veículos autônomos, podendo-se citar como exemplo a empresa TuSimple, que no início desse ano, obteve autorização do governo chinês para colocar até cinco mil caminhões autônomos para rodar nas estradas chinesas.

Afora o desemprego tecnológico, as novas tecnologias podem também acarretar a falta de trabalho especializado, fazendo surgir uma nova classe social que o historiador Yuval Noah Harari denomina de "inúteis", pois, mesmo que surjam novas profissões, talvez não seja viável reinserir os trabalhadores no mercado de trabalho, seja pela falta de habilidade e de especialização, ou ainda pela ausência de energia e resistência necessárias a uma vida de mudanças.

Ainda, a recessão causada pela Covid-19 parece ter antecipado as previsões de especialistas no tocante à automação. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, mais de 80% dos líderes empresariais mundiais pretendem acelerar a automatização dos processos de trabalho, sendo que 50% dessas empresas planejam automatizar também os empregos, e um em cada cinco empregadores tem intensão de reduzir definitivamente a mão de obra humana. Ou seja, parafraseando Stephen Hawking, o sucesso em criar a inteligência artificial pode ser o maior evento da humanidade, e também o último, a menos que o ser humano aprenda a evitar os seus riscos.

Não se pretende demonizar a utilização da IA no âmbito laboral; no entanto, é necessário evitar os seus riscos, repensando como esses sistemas serão implantados e articulando maneiras de governá-los. A Constituição Federal prevê em seu artigo 7º, inciso XXVII, o direito dos trabalhadores urbanos e rurais à "proteção em face da automação na forma da lei". Porém, quase 33 anos após sua promulgação, diante da falta de lei regulamentar, essa promessa constitucional se trata de um direito ineficaz da classe trabalhadora. O Projeto de Lei nº 1.091/2019, em trâmite na Câmara dos Deputados, que tem como finalidade instituir direitos socais e previdenciários mínimos aos trabalhadores, estabelecendo diretrizes a serem adotadas pelos empregadores antes da implementação de novas tecnologias, está parado na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), aguardando parecer, desde março de 2019. Essa inércia legislativa somente agrava as mudanças ocasionadas pela Quarta Revolução Industrial e pela atual crise econômica.

Repita-se: é urgente a adoção de medidas para o fim de evitar riscos à classe trabalhadora! Tal como preconizam as leis da robótica de Asimov, é preciso assegurar uma efetiva proteção aos direitos fundamentais dos trabalhadores, em especial a dignidade humana, garantindo-se que os seres humanos ocupem posição de centralidade na criação, desenvolvimento e utilização dessas tecnologias. Afinal de contas, não se pode esquecer que o trabalho não é mercadoria e o direito fundamental ao trabalho tem como primordial objetivo a proteção do ser humano e de sua dignidade.

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