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A DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NO BRASIL PELA VIA JUDICIAL: ANÁLISE DA ADPF Nº 442/DF

A DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NO BRASIL PELA VIA JUDICIAL: ANÁLISE DA ADPF N 442/DF SOB A ÓTICA DOS DIREITOS REPRODUTIVOS E DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


Bruna Castro de Souza

Orientadora: Prof.ª Drª Monica Ovinski de Camargo Cortina.



AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a minha família. Minha mamãe e melhor amiga Katia Regina, meu papai e herói Ronaldo, não me esquecendo da minha irmãzinha Maria Clara, que por planos traçados por Deus, não está mais entre nós, porém sinto veementemente que olha por mim lá do céu.

Meus pais, guerreiros, que sempre estiveram presentes em todas as minhas lutas, me apoiando, me dando forças, e me incentivando a realizar todos os meus sonhos, indubitavelmente, sem o suporte deles eu não teria chego até aqui.

Em especial, gostaria de citar minhas duas avós, guerreiras e exemplos de vida. Teteca (in memoriam) que sempre será lembrada por seu grande coração e gênio forte. E, Maria Ivone que, sem dúvida, é uma das mulheres mais guerreiras que tenho a honra de conhecer.

Aos meus amigos e ao meu “pacificador” namorado Marco Antônio, que caminharam comigo nesta importantíssima etapa da minha vida, dividindo conhecimentos, frustrações e principalmente alegrias.

Agradeço imensamente à minha orientadora, a Prof.ª Drª Monica Ovinski, que por culpa da pandemia da COVID-19, em que estamos vivendo atualmente, ainda não tive o prazer de conhecê-la pessoalmente. Ela sempre me auxiliou em todos os processos do projeto até a monografia final, com muita paciência e sabedoria, sempre me motivando e me levando para o melhor caminho. À ela, minha profunda admiração e respeito.

Por fim, agradeço a todas as mulheres, brasileiras ou não, conhecidas e desconhecidas, que travaram lutas pelos direitos que podemos usufruir atualmente. E, também aquelas que continuam lutando todos os dias pela efetivação desses mesmos direitos conquistados, e de muitos outros que tenho esperança que vão surgir. À todas elas, meus profundos agradecimentos.


“Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substânci, já que viver é ser livre.” (Simone de Beauvoir)



RESUMO

A interrupção voluntária da gravidez é considerada crime no ordenamento penal brasileiro desde 1890. Esta questão diante da sua complexidade suscita caloroso debate. Diante disto, o objetivo da monografia foi examinar a constitucionalidade da criminalização do aborto, com estudo de caso da ADPF nº 442/DF, diante do princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos reprodutivos das mulheres. Para cumprir com tal objetivo, a monografia que segue dividiu-se em três etapas. No primeiro capítulo foi estudado sobre a trajetória dos movimentos feministas para a busca dos direitos humanos das mulheres, sob enfoque da leitura interseccional, e a questão dos direitos reprodutivos conjuntamente com o princípio da dignidade da pessoa humana. No segundo capítulo, foi visto o tratamento do aborto na legislação brasileira, algumas pesquisas indicativas sobre o tema, e analisou-se de duas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. No capítulo final, foi analisada a ADPF nº 442/DF, ação emblemática no Brasil, composta por vários preceitos fundamentais e constitucionais, a qual ainda não teve julgamento final, porém já abre possibilidade de ser objeto de pesquisa. Empregou-se o método dedutivo, com pesquisa do tipo teórica e qualitativa, com emprego de material bibliográfico diversificado em artigos e livros. Tendo em vista o objetivo centrado nessa monografia, conclui-se que a criminalização do aborto não está servindo como instrumento de prevenção da prática, trazendo o fenômeno do aborto inseguro ou clandestino, que atinge em especial as mulheres mais empobrecidas, com baixa escolaridade, negras e indígenas por serem as principais vítimas do sofrimento e mortes causadas pela manutenção da criminalização e clandestinidade do aborto. A criminalização caracteriza-se como uma violência contra as mulheres, pelo fato dos direitos reprodutivos e do princípio da dignidade humana garantirem a essas mulheres a liberdade plena do exercício de tomar decisões sobre seus próprios corpos, os quais são feridos por serem ignorados pelo Estado brasileiro. Portanto, diante da sua magnitude a interrupção da gravidez é tema que deve ser tratado sem preconceitos, com informação e prevenção, sendo configurado um problema de saúde pública.



Palavras-chave: Aborto; mulheres; criminalização; direitos reprodutivos; saúde.



SUMÁRIO



INTRODUÇÃO

Desde 1890, com algumas mudanças ao longo do tempo, a interrupção voluntária da gravidez é considerada crime no ordenamento penal brasileiro. No entanto, a prática do aborto ocorre mesmo assim, configurando o chamado aborto inseguro, por conta das dificuldades e resultados que o rodeiam. Sendo que as taxas de aborto se diversificam, principalmente conforme faixa etária, religião e classe social.

Há um debate acerca da criminalização do aborto no Brasil, porém por se tratar de uma matéria que envolve várias visões religiosas, culturais e sociais diferentes na sociedade, acaba se tornando um assunto complexo e delicado. Neste contexto, o objetivo dessa monografia é examinar a constitucionalidade da criminalização do aborto pelo Código Penal brasileiro, com estudo de caso da ADPF nº 442/DF, diante do princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos reprodutivos das mulheres.

Para cumprir com tal objetivo, a monografia que segue divide-se em três etapas. No primeiro capítulo, tendo em vista que a discussão do aborto permeia os direitos das mulheres, será estudada a trajetória dos movimentos feministas em prol dos direitos humanos das mulheres. A análise tomará em consideração a percepção interseccional destes direitos conquistados, dando enfoque, especialmente, à questão dos direitos reprodutivos e o princípio da dignidade da pessoa humana.

No segundo capítulo, a discussão passará para o tratamento do aborto na legislação brasileira, com um breve estudo do histórico da sua criminalização. Também nessa etapa, apresentar-se-á algumas pesquisas sobre o tema, que tem como objetivo indicar o perfil socioeconômico das mulheres que se submetem ao aborto e sua magnitude. E ao final, pretende-se trazer duas das mais importantes decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, a ADPF nº 54 e o HC nº 124.306, que contribuem significativamente para o debate sobre o tema.

Já no capítulo final, o objetivo será analisar a ADPF nº 442/DF. O caso foi escolhido por ser inovador no cenário jurídico, sendo composto por vários direitos fundamentais, e também por ser uma ação emblemática no Brasil, pelo fato de ser a primeira ação que pretende discutir a constitucionalidade do aborto que vai adiante ao Supremo Tribunal Federal. Por conta disso, ela não teve seu julgamento final, porém, as peças iniciais do processo já abrem a possibilidade de ser objeto de pesquisa deste capítulo.

Justifica-se essa monografia diante da importância social que o estudo traz sobre o conhecimento aprofundado sobre a possibilidade de descriminalizar o aborto via judicial, a partir do princípio da dignidade humana e dos direitos reprodutivos, pretende-se uma abordagem por meio de uma linha de raciocínio livre de conservadorismos, e especialmente, priorizando as mulheres, em sua saúde física e/ou psicológica.

Por fim, a metodologia que será utilizada nesta monografia será o método dedutivo, em pesquisa do tipo teórica e qualitativa, com emprego de material bibliográfico diversificado em artigos e livros. No terceiro capítulo, como já evidenciado, será realizado um estudo de caso, em pesquisa qualitativa, a partir da análise dos dados da ADPF nº 442/DF, que está disponível para visualização no site do Supremo Tribunal Federal.


2 OS MOVIMENTOS FEMINISTAS E AS CONQUISTAS HISTÓRICAS DAS MULHERES NO BRASIL, PELO VIÉS INTERSECCIONAL


A posição das mulheres, ao longo da história ocidental recente, foi marcada por um cenário de subordinação. Na época do Brasil Colônia, por exemplo, mulheres indígenas, negras e brancas, mesmo com realidades e costumes totalmente diferentes, tinham entre elas a relação à submissão aos homens (TELES, 1999, p.16-22).

Perante essa visão, tornou-se necessário uma caminhada em busca dos direitos humanos das mulheres. A construção dos direitos sexuais e reprodutivos é uma conquista dessa longa caminhada, a qual nasceu por meio da luta dos movimentos feministas na década de 1970 (VENTURA, 2009, p.22).

Nesse contexto, o objetivo deste capítulo é examinar alguns dos vários direitos alcançados pelas mulheres até a atualidade, mediante suas lutas. A ênfase dos direitos que serão estudados é acerca dos direitos reprodutivos no contexto do princípio da dignidade humana.


2.1 MOVIMENTOS FEMINISTAS NO BRASIL E SUA ATUAÇÃO PARA A AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES


Desde a antiguidade até os dias atuais, percebe-se que o papel das mulheres na sociedade, infelizmente, visto por grande parte da população, ainda tem predominantemente algum tipo de submissão, seja perante o casamento, trabalho, lazer, modo de vida, entre outros.

Perante a história das mulheres, a historiadora Joan Scott (1995, p.74) confirma o descaso causado pelos historiadores, ocorrendo o fenômeno de sempre separar os estudos sobre mulheres dos homens. Resumindo-se apenas em provar que as mulheres tiveram uma história, e que estiveram presentes em algumas revoltas ocidentais. Havia uma percepção de que:


As mulheres tiveram uma história separada da dos homens, em conseqüência deixemos as feministas fazer a história das mulheres que não nos diz respeito"; ou "a história das mulheres diz respeito ao sexo e à família e deve ser feita separadamente da história política e econômica (SCOTT, 1995, p.74).



Essa é apenas uma das obscuridades que as mulheres foram/são sujeitadas. Os feminismos emergem como uma tomada de consciência, tida pelas mulheres em vários sentidos (GARCIA, 2015, p.8).

Sendo definido, principalmente, pela defesa dos direitos igualitários perante homens e mulheres. A autora Michèle Barrett (1996, p.324), complementa dizendo, que conjuntamente à essa defesa, acompanha o:

[...] compromisso de melhorar a posição das mulheres na sociedade. Ele pressupõe, portanto, uma condição básica de desigualdade, seja esta concebida como dominação masculina, patriarcado, desigualdade de gênero ou os efeitos sociais da diferença sexual (BARRETT, 1996, p.324)


Vera Soares (2004, p.33) afirma que os feminismos estão ligados às ações políticas, na qual engloba a ética, teorias e práticas, e ainda, conforme a própria autora “toma as mulheres como sujeitos históricos da transformação de sua própria condição social”.

A ideia do feminismo nasceu a partir do pensamento de mulheres brancas, geralmente de classe média, que moldaram um conceito existente de uma “Mulher Universal”, que seria nada mais que uma representação de todas as mulheres. Fazendo como se todas as opressões, cenários e culturas vividas por todas as mulheres fossem iguais, com uma só realidade configurando o pensamento de universalidade. Na qual mais tarde, foi criticado e derrubado pelo pensamento interseccional feminista (GONÇALVES, 2011, p.41-45).

Em 1830, com o surgimento da nova era da indústria, estas mulheres perceberam as situações que eram reduzidas em seu ambiente familiar, sendo expostas apenas a trabalhos domésticos, como serem mães e esposas. As opressões vividas eram definidas pelas mulheres como um tipo de escravidão. Justamente por estes motivos, estas mulheres começaram a ter interesses em movimentos abolicionistas, impulso inicial para o aparecimento dos primeiros movimentos feministas (DAVIS, 2016, p.50-55).

Dando ênfase a estes movimentos, a autora Maria Amélia de Almeida Teles diz que o objetivo dos movimentos feministas é combater, a partir de ações, as discriminações e subalternidade sofridas pelas mulheres, segundo suas próprias palavras, os movimentos: “[...] buscam criar meios para que as próprias mulheres sejam protagonistas da sua vida e história” (TELES, 2017, p.20).


Os movimentos tiveram ascendência na Inglaterra, no final da década de XIX, onde mulheres, em sua maioria, ainda eram brancas de classe média. A primeira conquista, e a que teve mais destaque, foi o direito ao voto, conquistado em 1918. Um grupo de mulheres chamado As sufragistas, também representadas pela primeira onda do feminismo, causaram grandes dores de cabeça para o sistema da época. Suas manifestações envolviam greves de fome, acabando sendo até presas algumas vezes. Essas mulheres tiveram um grande valor histórico a este meio, pois foram autoras de grandes manifestações em Londres, se tornando inspiração para outras mulheres da época (PINTO, 2010, p.15).

O surgimento da categoria de gênero foi uma das diversas conquistas dos movimentos feministas, sendo utilizado a fim de delimitar um terreno de explicação para as desigualdades sofridas por elas. Havia uma lacuna nas teorias sociais até o século XVIII, onde não se encontrava um espaço próprio para os estudos sobre as mulheres (SCOTT, 1995, p.72-86).

As novas experiências do cotidiano começaram a conflitar com os valores tradicionais, principalmente por sua ditadura e características patriarcais. Sob tais circunstâncias, o Ano Internacional da Mulher em 1975, anunciado oficialmente pelas Nações Unidas, proporcionou um cenário que tornou os movimentos feministas visíveis (SARTI, 2004, p.39).

Quando as feministas decidiram reinterpretar os direitos do sistema de direitos humanos, que os homens desenvolveram ao longo da evolução, na qual havia um vácuo presente sobre a questão de direitos exclusivamente de gênero. A partir de então, surgiram os direitos reprodutivos (MATTAR, 2008, p.73-74).

As questões levantadas e as lutas feministas avançaram para a construção das demandas dos direitos reprodutivos e sexuais. Para as mulheres, as condições de constituição do sujeito de direitos, neste caso os direitos sexuais e reprodutivos, significaria romper a heterogeneidade que era sofrida pelos seus próprios corpos, pois todas as “regras”, historicamente, sobre o controle e a supressão de suas relações sexuais e reprodutivas foram determinadas por homens. A construção destes direitos, mais tarde concretizados na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), faz parte do avanço democrático das mulheres, esse assunto terá muita importância frente a esta monografia (AVILA, 2003, p.466-467).


No Brasil, deve ser levado em consideração que, conjuntamente com outros países da América Latina, o mesmo teve um retardamento em relação às conquistas de preceitos humanitários. Por exemplo, enquanto na Europa estavam ocorrendo revoluções nas esferas sociais, o Brasil ainda estava sob o regime escravocrata. Nessa época a situação das mulheres brasileiras era de inferioridade, sendo levada ao máximo ao descaso, crueldade e submissão (FIGUEIREDO, 2008, p.25-32).

A expansão do mercado de trabalho e do sistema educacional criaram novas oportunidades para as mulheres. O processo de modernização foi acompanhado pela decolagem cultural em 1968, acompanhada por novas emoções e comportamentos sexuais relacionados à aquisição de métodos contraceptivos (SARTI, 2004, p.39).

Na qual, mais tarde foi observado que as pílulas anticoncepcionais da época, existentes desde os anos 60, eram utilizadas apenas para um motivo, nas palavras da autora Débora Diniz (2013, p.316): “[...] mais como um instrumento de controle de natalidade do que a promoção de direitos reprodutivos, ou seja, permissão de que as mulheres pudessem fazer a escolha sobre quando ter filhos e quantos.”

Nos anos de 1970, com a ditadura militar, foi demarcado como um momento instável para o Brasil. Os movimentos tiveram uma repaginada, onde mulheres começaram a ir para as ruas a fim de defender direitos, demonstrando as desigualdades vividas por elas, lutando também pela anistia, tendo como um dos principais objetivos que resultados alcançados por estes chegassem até grande parte da comunidade feminina desprivilegiada. Essa visão foi análoga com os movimentos que ocorreram nos EUA e na Europa, nos anos 1960 (SOARES, 1998, p.36-37).

Temas relacionados à reprodução, como o abortamento, ainda não eram pautas para os movimentos devido à própria situação que o país se encontrava. E também por conta de uma estratégia formada, pois ambas as políticas esquerdistas e direitistas não viam uma legitimidade apropriada nesta luta (AZEVEDO, 2017, p.241).

Mais especificamente, nos anos 1980, foi que a relação com o corpo e a sexualidade começou a ser mais explorada. Também, agregando outro marco histórico dos feminismos, a fundação da Comissão Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), conquista resultante das várias mobilizações em decurso das "Diretas Já" (AZEVEDO, 2017, p.242).

Uma peculiaridade que é percebida nos movimentos feministas globais, é pelo fato de serem manifestações de cunho heterogêneo, pela pluralidade de objetivos existentes em suas lutas. Por conta disso, nunca se deve falar de movimentos feministas no singular, sempre no plural.

Esse fato se deu por causa das diversas realidades vividas pelas mulheres. Algumas batalhas traçadas às vezes não são as maiores preocupações que outros grupos mulheres podem estar passando no momento. Temos o grande exemplo das trabalhadoras rurais, que até atualmente, buscam por salários igualitários, direitos sociais, condições de trabalho melhores, etc. As mesmas não lutam por questões como o aborto voluntário legalizado e seguro, pois as suas realidades são diferentes daquelas que buscam este direito, tento até mesmo outras prioridades para se conquistar primeiramente (SOARES, 1998, p.36-42).

Tendo isso em vista, os movimentos feministas se tornaram multifacetados ao longo de sua caminhada, sendo sufragista, socialista, comunista, dentre outros (FIGUEIREDO, 2008, p.25).

A diferença entre homens e mulheres, antigamente era usada para justificar o descaso com os direitos femininos. Atualmente, esta mesma diferença é usada e mostra que existe o dever dos órgãos responsáveis perante os direitos humanos de legislar em favor dessas diferenças de gênero, que será mais explorado no próximo tópico (CRENSHAW, 2002, p.172).


2.2 GÊNERO, RAÇA E CLASSE: A LEITURA INTERSECCIONAL DOS DIREITOS DAS MULHERES


Antes de entrar na problemática da Interseccionalidade, para que haja um melhor entendimento acerca do assunto, devem-se ter claras as definições dos principais marcadores de opressão que rondam esta questão.

Dentre os principais marcadores citados pela autora Kimberlé Crenshaw que estabeleceu a concepção de Interseccionalidade, os que vão ter ênfase nesta monografia vão ser: Gênero, raça e classe social (HIRATA, 2014, p.62). Primeiramente, a categoria de gênero não deve se igualar com o termo “sexo”, pelo fato de um ter viés social e o outro biológico, respectivamente. Segundo a autora Joan Scott (1995, p. 86), a definição de gênero é composta por duas partes, que têm ligações entre si: “(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder“.

Sendo assim, Joan Scott vê o gênero em suas próprias palavras, como: “uma forma primária de dar significado às relações de poder.”. A mesma, traz o exemplo histórico do reinado de grandes rainhas, que sempre foi questionado pelo simples fato de sua feminilidade poder “atrapalhar” sua capacidade, mostrando o poder diante das relações políticas (SCOTT, 1995, p.88-90).

Raça e Etnia, por mais que estejam em um mesmo patamar, tem especificações diferenciadas, que não devem ser confundidas. Raça, como a própria palavra diz, significando categoria, espécie, à qual engloba características ligadas à genética. Já a etnia, classifica o indivíduo por alguns outros tópicos, como a nacionalidade. Podendo também ser ligados à cultura, como: religião praticante, língua, etc. (SANTOS et al, 2010, p.121-122).

Especificamente, as classificações de raça passaram por muitas adições de características, até atualmente. No século XVIII, era apenas levado em conta a concentração de melanina existente em um ser humano, diferenciando-o entre raça branca, negra ou amarela. Já no século XIX, a classificação foi aprimorada com critérios morfológicos, adicionando as diferenciações nas formas do nariz, queixo, lábios etc. Por fim, no século XX, critérios químicos sanguíneos foram adicionados a fim de determinar essas divisões (MUNANGA, 2004, p.3-4).

Essas discussões de raça apontam para a questão do racismo no Brasil. O racismo conceitua-se para Silvio de Almeida (2019, p.22) como a: “discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam.”

A categoria de classe social se tornou proeminente a partir do capitalismo. De modo em geral, trata-se de modos de organizações de indivíduos que são conectadas às relações econômicas, de trabalho e aos bens existentes em sua propriedade. Neste sentido, as classes vão definir os níveis de relação de diferentes indivíduos, como pobres e ricos. Formando uma ideologia ligada à concepção do mundo perante a sociedade, e também a percepção social do indivíduo, que vão incluir comportamentos típicos, interesses, renda, modo de vida, etc. (SAMPAIO, 1998, p.73).

Porém, as classes não são somente isto. Por conta de estarem interligadas às relações de poder, este assunto se torna diretamente vinculado às diferenças de raça e gênero. Pois afetam a subordinação dos indivíduos em seus patamares, especialmente, no caso das mulheres, que eram consideradas inferiores como já foi visto no capítulo anterior. Consequentemente trazendo mais desigualdade de direitos, explorações e opressões (SANTOS, 2008, p.354).

A importância destas três categorias coextensivas, segundo Joan Scott (1995, p.73), dá-se pelo fato de que os historiadores que utilizarem ela irá mostrar a história global, que: “[...] Incluía as narrativas dos/as oprimidos/as e uma análise do sentido e da natureza de sua opressão e, em segundo lugar, uma compreensão de que as desigualdades de poder estão organizadas ao longo de, no mínimo, três eixos”.

Principalmente, os marcadores de gênero, raça e classe social tornam-se essenciais para escrever novas histórias. As historiadoras feministas foram as que utilizaram-se regularmente dessas categorias em suas pesquisas (SCOTT, 1995, p.73).

Relembrando o surgimento do feminismo, que foi formado por mulheres brancas, de classe média. Na qual, formaram a visão de uma “mulher universal”, que homogeniza os cenários e opressões sofridas pelas mulheres.

Mulheres negras começaram a questionar esta visão, pelo fato de não se sentirem representadas, o patamar de suas problemáticas envolvidas eram outros. E também, não se podia afirmar que existe somente uma realidade envolvendo globalmente todas as mulheres (AKOTIRENE, 2019, p.17).

Segundo Djamila Ribeiro (2016, p.100): “enquanto àquela época mulheres brancas lutavam pelo direito ao voto e ao trabalho, mulheres negras lutavam para serem consideradas pessoas.”. No contexto estadunidense, o discurso marcante “Ain't I a Woman?” proferido na Convenção dos Direitos das Mulheres de Ohio em 1851 pela ativista pelos direitos das mulheres Sojourner Truth, traduzido para ao português como “Eu não sou uma mulher?”, com o trecho:


[...] Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim? Olhem para meus braços! [...]Eu pari 3 treze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! E não sou uma mulher? [...] (GUALBERTO, 2020).


Por mais que a questão da “mulher universal” se passe em uma época diferente, o trecho apresentado retrata fielmente as realidades totalmente diferentes vividas por outras mulheres, que não sejam de classe média e brancas. Para melhor entendimento, é possível trazer esta relação ao âmbito mais próximo. No Brasil, segundo dados mais recentes do IBGE (2018, p.3) as mulheres brancas exercendo as mesmas funções de emprego, em relação aos homens brancos ganham 78,7% de seus rendimentos. Porém no caso das mulheres negras, destaca-se que ganham menos da metade do salário de um homem branco, chegando a 44,4% de seus rendimentos.

Resumidamente, o conceito da existência de uma “Mulher Universal” simplesmente não servia para a representação do feminismo, como um todo. Era preciso criar um estudo que buscasse auxiliar na compreensão das diversas realidades e situações envolvendo os indivíduos.

Diante deste cenário, entre os anos de 1970/80, a “Interseccionalidade” teve suas primeiras formulações nos Estados Unidos e no Reino Unido, em movimentos feministas negros. Porém, somente em 1989, foi que o conceito, em si, foi estruturado, pela professora e teórica feminista, Kimberlé Crenshaw (ASSIS, 2019, p.19). Segundo a própria autora Kimberlé Crenshaw (2002, p.177) em Estudos Feministas, o conceito de interseccionalidade é:


[...] uma conceituação do problema que busca capturar as conseqüências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras (2002, p.177).


Essa ferramenta analítica veio justamente para expor/conhecer as discriminações que acontecem simultaneamente, em cima de um só indivíduo.

Engana-se achar que a interseccionalidade veio apenas para se opor à estrutura dos pensamentos feministas da época. Movimentos antirracistas eram focados nos homens negros, deixando as mulheres negras também sem apoio algum (AKOTIRENE, 2019, p.14).

Sobre os eixos/marcadores de opressão citados por Kimberlé Crenshaw (2002, p.177), os mesmos atuam para que haja um entendimento acerca da interação na produção e na reprodução das discriminações. Sendo que, estes eixos se entrecruzam, formando uniões de sistemas múltiplos de subordinação, que vão por consequência potencializar-se.

Observa-se que Kimberlé Crenshaw não traz a interseccionalidade como sendo exclusiva para a questão das opressões que afetam as mulheres negras. Tanto para elas, quanto para mulheres pobres, lésbicas, deficientes, não cabiam neste conceito criticado, todas traziam em suas vivências realidades e opressões totalmente diversas das expostas pelas feministas brancas.

Mostrando de uma forma mais dinâmica, Kimberlé Crenshaw utiliza-se de uma metáfora para explicar a metodologia da interseccionalidade. É como se existisse uma avenida, que está representando um indivíduo. Esta avenida tem alguns cruzamentos, que estão representando os eixos de opressão. Só pelo fato de ser mulher, há a vivência da discriminação de gênero, ou seja, um cruzamento que recai sobre esta avenida. Por esta mulher ser negra e pobre, encontra-se outros dois eixos discriminatórios, que pertencem ao mesmo corpo (CRENSHAW, 2002, p.177).

É importante lembrar que não necessariamente esses eixos discriminatórios vão se somar, isso dependerá particularmente da vivência de cada mulher. Em algumas situações, um dos eixos ficará em maior evidência do que outro, a depender da experiência vivida pela mulher.

A ausência do conceitual da interseccionalidade durante o passado, como foi visto, não permitia a compreensão das opressões representativas de grande parte da população, consequentemente permitia vácuos que afetavam, principalmente, as legislações de todo mundo, não somente no Brasil. Percebe-se que a interseccionalidade vem ganhando cada vez mais espaços nos debates e pesquisas, haja vista sua importância teórica, que pode trazer avanços para o reconhecimento de direitos. Como um todo ela trouxe muitas contribuições, sejam novos olhares às políticas públicas, à cultura, e a outras dimensões.

Por mais que já existem leis, que afirmam a igualdade perante todos, por exemplo, o artigo 5º da Constituição Federal do Brasil, em seu caput explana:


Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...] (BRASIL, 1988).


Porém, como é visto por toda a volta, dia após dia, ainda não existe uma garantia plena de sua efetividade. Tanto desta lei, quanto de muitas coisas. Sendo necessária, até obrigatória a continuação da leitura interseccional, não apenas na questão feminista, mas em todos os vieses políticos e sociais.


2.3 OS DIREITOS REPRODUTIVOS DAS MULHERES: A QUESTÃO DA REPRODUÇÃO COMO UM DIREITO E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


Percebe-se que o domínio do comportamento sexual feminino é um dos vários métodos de controle da sociedade ocidental. Esta tentativa de inibir as mulheres nos segmentos da reprodução teve êxito no passado e foi intensificada na Era Moderna. O propósito de inferiorizar o corpo feminino é precisamente limitar a autonomia das mulheres, assim, fazendo com que a expressão sexual seja uma matéria impossível (PEIXOTO, 2010, p.4991).

Quando as feministas do século 19 propuseram a ideia de "fertilidade voluntária", nasceu o movimento de controle da natalidade. Essa ideia veio como uma afronta perante a sociedade, pois era ligada ao pensamento de que uma mulher não poderia recusar isso ao seu marido (DAVIS, 2016, p.197). Segundo a autora Lília Nunes dos Santos (2016, p.296):


O direito de procriar foi adquirindo diversos contornos ao longo da história, os quais estão intimamente relacionados ao processo de emancipação da mulher e, mais recentemente, aos avanços das técnicas artificiais de reprodução (SANTOS, 2016, p.296).


Em 1948, após a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), novos direitos começaram a ser pleiteados, pontapé inicial para o surgimento dos direitos sexuais e reprodutivos, que tiveram início na Conferência Internacional de Direitos Humanos de Teerã, no ano de 1968. Porém, somente no ano de 1984, em Amsterdã-Holanda, houve a primeira aparição do termo propriamente dito (MATTAR, 2008, p.62-63).

Os direitos sexuais e reprodutivos são divididos em duas linhas, que se complementam, mas ao mesmo tempo se distinguem. A primeira linha parte para uma visão individual, colocando em prática os direitos de privacidade, autodeterminação, intimidade, etc. Resumidamente, é a liberdade que homens e mulheres têm de escolher acerca da sexualidade e da reprodução, sem nenhum tipo de negatividade social ou intervenção estatal. A segunda linha se encaixa no campo da efetivação destes direitos, sendo essencial o acesso à informação, meios e recursos acessíveis, inseridas nas políticas públicas para assegurar a saúde sexual e reprodutiva, como exemplo: educação sexual nas escolas e progressos científicos. Também deve ser colocado com importância o direito a um nível de saúde padrão, firmado no sentido de liberdade sobre desfrutar dos direitos sexuais e reprodutivos de uma forma segura e autônoma (PIOVESAN, 2007, p.55). A ênfase nesse tópico é sobre os direitos reprodutivos, que são o objeto de estudo importante para a abordagem do tema central da monografia.

Colocando em ênfase a questão da reprodução, sua definição, conforme a própria autora da inserção dos direitos reprodutivos como direitos humanos, a CIPD, em seu §7.3 de seu relatório, enuncia:


Os direitos reprodutivos abrangem certos direitos humanos já reconhecidos em leis nacionais, em documentos internacionais sobre direitos humanos, em outros documentos consensuais. Esses direitos se ancoram no reconhecimento do direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência (FNUAP, 1994, p.62).


Esse conjunto de direitos envolve a autodeterminação reprodutiva dos indivíduos, especialmente as mulheres, pelo fato de serem elas as que mais são atacadas e privadas do exercício dessas liberdades (MATTAR, 2007, p.827-831).

Nos anos 1970, as reivindicações relacionadas aos direitos reprodutivos focaram nos requisitos das mulheres para ter controle de sua fertilidade e atenção à saúde reprodutiva. Esse foi um período fortemente marcado com os esforços para legalizar o aborto e permitir maior acesso à contracepção (VENTURA, 2009, p.22). A autora Ângela Davis (2016, p.197) afirma que esta questão deu início à campanha de contracepção nos Estados Unidos.


Nos anos 1980 e no início dos anos 1990, os direitos reprodutivos incorporam questões conceituais, exercitando a maternidade e tecnologias inovadoras de reprodução (VENTURA, 2009, p.22).

Trazendo a questão para o Brasil, os direitos reprodutivos foram marcados pela cultura religiosa, que teceu seu desenvolvimento, decaindo as mulheres ao destino de procriar para afirmar a sociedade portuguesa cristã. A partir do século XX, legislações novas foram surgindo, que se relacionaram com os direitos das mulheres, tais como: o direito a creche e a proibição do aborto voluntário. Essas visões do ordenamento brasileiro constituíram uma cultura totalmente voltada ao pró-natalismo, deixando os direitos reprodutivos das mulheres em segundo plano (VENTURA, 2009, p.26-27).

Os direitos reprodutivos, de certa forma, foram inseridos na Constituição Federal, em seu artigo 226, § 7º:


Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BRASIL, 1988).


Pensando na efetivação destes direitos e baseando-se no respeito e consideração que o Estado deve ter pelo indivíduo pessoa, a Constituição Federal de 1988 deu positividade aos direitos humanos como princípios básicos, direitos e garantias, conferindo-lhes o status de cláusula pétrea, portanto seu conteúdo é o cerne de uma carta política irredutível (CARVALHO; ARAUJO, 2019, p.2).

Os princípios, como citados acima, são donos de uma grande relevância no mundo jurídico, pois desenvolvem um papel de flexibilização dos dispositivos constitucionais. Nas palavras do jurista José Gomes Canotilho (2002, p.1148), acerca da definição dos princípios jurídicos fundamentais: "historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional”.

Os mesmos são elementos mais imprevisíveis em comparação às normas e regras que compõem o ordenamento jurídico. Eles atuam como camaleões, agindo em torno das mudanças sociais, ampliam entendimentos á aspectos mais morais, atuando de modo fluidamente, sendo essenciais no mundo jurídico (SARMENTO, 2008, p.87-88).

O surgimento dos conjuntos de deveres e direitos fundamentais que visam resguardar condições mínimas a um ser humano, seja no aspecto físico ou moral, fundamenta-se nos princípios, sempre os protegendo de atos danosos, ou dando sustentação para uma vida plena e saudável. Estes preceitos foram incorporados no princípio da dignidade humana, na qual é ativo e co-responsável nos destinos da realidade e da vida em conformidade com outros seres humanos (NUNES, 2002, p.55).

Acerca deste princípio em discussão, sua definição segundo a autora Gicélia Librelotto (2017, p.96):


A dignidade da pessoa humana não é definida nem atribuída, muito menos é passível de restrição. A Dignidade é o olho com o qual o homem deve ver a si mesmo e aos outros. Ao homem não basta apenas viver; ele quer e é digno de viver bem. Pode-se dizer que não só não basta, como o homem quer e precisa viver bem a fim de perfectibilizar sua condição humana. Viver bem implica a necessidade da prática do respeito pela condição humana mais essencial, que é a Dignidade (LIBRELOTTO, 2017, p.96).


Conforme explicação, pode-se afirmar que este princípio possui alguns elementos essenciais mínimos para sua denominação, que seriam: o valor intrínseco, ligado à própria natureza do ser humano, nenhum outro ser pode ser dono. A autonomia, nada mais do que o livre arbítrio sobretudo, à qual os humanos detêm. E o valor comunitário, à qual traz limitações a essas autonomias, por conta de valores ou interesses (CARVALHO et al, 2020, p.13-14).

A dignidade da pessoa humana acaba se tornando um dos princípios que têm maior relevância no mundo jurídico, incorporado sobre diversas matérias. Este princípio é aquele que dá rumo à concordância dos demais (NUNES, 2002, p. 55).

Perante estas informações, os direitos reprodutivos e o princípio da dignidade da pessoa humana estão totalmente ligados pela autodeterminação individual e moral da mulher (PEIXOTO, 2010, p.4992).

Mesmo com a afirmação dos direitos reprodutivos com o princípio da dignidade humana, a realidade brasileira, todavia, é outra. Como foi analisado no passado, o viés religioso presente no jurídico, ainda é predominante. A intromissão da religião e seus dogmas, conjuntamente com outros valores morais, não podem ser vinculados nas vias legais (SICHES, 1973, p.284). Essas intromissões existentes e recorrentes acabam fazendo com que a eficácia dos direitos reprodutivos no ordenamento seja quase nula. Exemplificando a situação, quando uma mulher brasileira é impedida de fazer um aborto, pelo ordenamento jurídico, a mesma não está exercendo sua autodeterminação reprodutiva, sua dignidade está sendo ferida. Resumindo, princípios e direitos entram em colisão, pois é reconhecido que a dignidade humana é crucial para o certame da reprodução, conforme evidenciado por documentos internacionais e a Convenção do Cairo.

A Constituição Brasileira não leva um capítulo que garante diretamente os direitos reprodutivos, portanto não deve ser confundida com o parágrafo sétimo do artigo 226, exposto acima, pois não representa toda a imensidão deste direito. Esta situação é análoga com que acontece com os direitos ambientais e a questão da não discriminação da sexualidade (VENTURA, 2004, p.169).

Por fim, percebe-se que a busca pela legitimação de um direito, na prática, não ocorre repentinamente, devendo passar por alguns e exaustivos degraus importantíssimos até finalmente, com sorte, chegarem a serem usufruídos pelas pessoas. Especialmente no caso das mulheres, que sempre tiveram e têm até os dias atuais suas necessidades colocadas de lado, feridas e tratadas com descaso.


3 O ABORTO E SEU TRATAMENTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


O aborto mesmo sendo um tema negligenciado, não muda o fato de ser um dos maiores problemas de saúde pública detectados no Brasil. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva e a Agência Patrícia Galvão apontam que 1.600 pessoas de doze regiões metropolitanas onde concentram cerca de 80% da população brasileira, constataram que quase metade (47%) dos brasileiros acima de 16 anos conhecem uma mulher que já fez aborto (ACAYABA; MACHADO, 2017).

É computado que ocorram mais de um milhão de interrupções voluntárias da gravidez ou abortamentos induzidos, por ano, em território nacional. Esse problema encontra-se em estado grave, pois com a prática do aborto inseguro, acaba tornando uma das principais causas de morte materna (BRASIL, 2011, p.5).

Portanto, esse objetivo deste capítulo é suprir a necessidade de uma visão científica acerca dessa prática, trazendo algumas pesquisas científicas que cerceiam este assunto. Também serão examinadas as visões do ordenamento jurídico brasileiro sobre o tema, mediante as principais decisões de ações que tratam a prática do aborto como principal matéria.


3.1 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ACERCA DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ


Para fins etimológicos, a palavra aborto é originária do latim aboriri, tendo o significando “separar do lugar adequado” (DE PAULO, 2002, p.13).

Existem variadas definições dessa prática, que podem ser encontradas em diversas áreas, dependendo do ponto de vista a ser estudado. Por exemplo, o penalista Cézar Roberto Bitencourt (2011, p.160), de uma maneira mais simples e geral, conceitua o aborto, em suas palavras como: “[...] a interrupção da gravidez, antes de atingir o limite fisiológico, isto é, durante o período compreendido entre a concepção e o início do parto, que é o marco final da vida intrauterina.”

No entanto, a definição que será de grande valia para esta monografia, é a visão médica do assunto. A qual tem, primeiramente, sua prática chamada de “Abortamento”, tornando o “aborto” o produto procedimento ocorrido, o próprio feto, em si, expelido. Este procedimento vai ser caracterizado pelos limites de até a 20ª ou 22ª semana de gestação, ou enquanto o feto estiver pesando menos de 500 gramas (BRASIL, 2001, p.29).

É importante salientar que o abortamento é citado popularmente somente como “aborto”. Não é considerado um termo errado, sendo utilizado por estudiosos(as) do tema. Assim, como será empregada em alguns momentos desta monografia.

Se esses limites característicos do abortamento, por algum motivo, forem excedidos, já se tem um desenvolvimento fetal, ou seja, o ato passará a ser chamado de “antecipação terapêutica do parto”, termo que foi apresentado pela antropóloga Débora Diniz, pesquisadora muito conhecida nesta matéria em discussão (FERNANDES, 2016, p.261).

Segundo Renata Mariz (2012, p.10), a pesquisadora Débora Diniz criou o conceito de antecipação terapêutica do parto com o fim de substituir os termos "aborto eugênico" e "aborto seletivo". Após frequentar um determinado hospital, ouvia de mulheres que interrompiam suas gestações por conta de fetos anencefálicos escutava muito as expressões de antecipar o sofrimento e a dor. Foi aí, que o termo surgiu.

Existem três categorias de abortamento. O legal, aquele pautado em uma legislação que descriminaliza a conduta executada. Seu oposto, o ilegal, aquele que é caracterizado com a realização do aborto contrariando a lei vigente do ordenamento jurídico do país vigente, no caso do Brasil, a interrupção voluntária da gravidez. Já, o abortamento inseguro conforme definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é: “[...] um procedimento para terminar uma gravidez indesejada realizada por pessoas sem as habilidades necessárias, em um ambiente que não esteja em conformidade com mínimos padrões médicos, ou ambos (BORGES, 2012, p.10).

Os tipos de aborto inseguro e ilegal tem ligação entre si, porém não necessariamente vão estar lado a lado sempre. Por exemplo: em um país onde o aborto induzido é legal, porém não é constituído de um sistema de saúde pública. Uma mulher carente de recursos financeiros, não terá condições de arcar com as despesas de uma clínica particular, portanto ela se vê na situação de precisar utilizar métodos, muitas vezes prejudiciais à sua saúde, para realizar o abortamento.

A primeira vez que a conduta do aborto foi tipificada como crime no ordenamento jurídico brasileiro, foi dentro do Código Criminal do Império, de 1830.

Em seus artigos 300 a 302, uma curiosidade que deve ser exposta, é que seu conteúdo condenava apenas terceiros que realizaram o procedimento, mesmo com ou sem o consentimento da gestante (GADELHA DE SÁ, 2016).

O ato cometido pela própria gestante se tornou crime futuramente, no Código Penal de 1890, onde havia apenas uma descriminante, chamada de “aborto necessário”, aquele que só era usado apenas em casos que serviam para salvar a vida da gestante (GADELHA DE SÁ, 2016).

Com a chegada do Decreto Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, o Código Penal vigente, a questão do aborto ganhou novo tratamento. Em seu capítulo I dos “Crimes Contra a Vida”, inserido no Título I, os “Crimes Contra a Pessoa”, há os artigos 124 ao 128, que manteve a criminalização do aborto, bem como ampliou as hipóteses de permissivas legais.

Conforme a ordem dos artigos do Código Penal, estão dispostos primeiramente as três modalidades de aborto que são considerados crimes.

O artigo 124 traz em seu conteúdo uma pena de detenção de um a três anos para abortos provocados pela própria gestante, ou que consinta que alguém o faça por ela (BRASIL, 1940).

Já o artigo 125, traz a situação do aborto provocado sem o consentimento da gestante. Consequentemente, a pena de reclusão se torna maior que a do primeiro caso, sendo de três a dez anos (BRASIL, 1940).

O artigo 126 está ligado ao 124, pois traz a pena configurada ao terceiro, como foi visto previamente, consentido pela gestante, para a provocação do aborto, que resulta em pena de um a quatro anos de reclusão. Ainda, em seu parágrafo único destaca a possibilidade do aumento de pena, vigente do artigo 125, se a gestante não for maior de quatorze anos, está em estado de alienação, possui debilidade mental ou se para a realização do aborto, seu consentimento foi conseguido mediante algum tipo de violência, fraude ou grave ameaça (BRASIL, 1940).

O quarto artigo deste rol, o nº 127, diferente dos demais, em seu conteúdo traz a qualificação do crime de aborto, que expressa:

As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provoca-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte (BRASIL, 1940).



Por fim, no artigo 128, dividido em duas partes, irá falar das duas discriminantes atuantes para a realização do aborto legal. Seu inciso I, a primeira hipótese é aquela que pode manifestar um dos casos de exclusão da responsabilidade penal, o estado de necessidade, onde não há outro jeito de salvar a vida da mulher. Ou seja, quando um(a) médico(a) se vê diante da situação em que deve escolher entre a vida do feto ou da mãe. Sempre será prioritariamente optado pela vida da mulher (BRASIL, 1940). Já no inciso II, tem a modalidade que é mais vista atualmente. Os casos de violência de caráter sexual, na qual resulta em gravidez. O aborto deve ter consentimento da mulher ou, se a mesma for incapaz, consequentemente, de seu representante legal. A mulher, se caso estiver passando por esta situação, poderá ir ao centro médico, relatar a situação, e se for de sua própria vontade, ela terá o direito a realização de um aborto seguro (BRASIL, 1940).

Uma terceira situação acerca do aborto legal não advém do Código Penal, mas é produto da jurisprudência brasileira. Que seria nos casos de gravidez que tenham um feto com anencefalia ou anomalias fetais incompatíveis com a vida.

Nestes casos, foi decidido no ano de 2012, através da ADPF nº 54 do Supremo Tribunal Federal, a qual será mais bem tratada no tópico 3.3 desta monografia, autorizar as gestantes a realizar o abortamento, desde que cumpridos alguns requisitos. Estes requisitos para o diagnóstico foram regulamentados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), na Resolução 1.989/2012, em seu 2º artigo:


I – duas fotografias, identificadas e datadas: uma com a face do feto em posição sagital; a outra, com a visualização do polo cefálico no corte transversal, demonstrando a ausência da calota craniana e de parênquima cerebral identificável; II – laudo assinado por dois médicos, capacitados para tal diagnóstico (CFM, 2012, p.2).


Uma curiosidade acerca dos ritos para o abortamento legal é que nos casos das descriminantes legais expostas no artigo 128, os médicos vendo a necessidade da situação, não precisam de nenhuma interferência do judiciário para a execução do abortamento, eles são assegurados por autorização prévia. Por exemplo, quando por algum motivo, há risco de vida para a mulher, o estado de necessidade prevalece, não há tempo para se ingressar com uma ação, antes do falecimento da mesma.


Diferentemente do caso do feto com anencefalia ou anomalias incompatíveis com a vida, pois para que a mulher tenha seu direito efetivado deverá primeiro requerê-lo diante do judiciário ao qual foi autorizado, conforme decisão da ADPF nº 54, para deferir o pedido.

Ainda, é válido lembrar que as políticas públicas na área da saúde, no Brasil, por mais que tenham tido uma evolução temporal, continuam tratando o abortamento sob a ótica religiosa e moral (DINIZ, 2016, p.659). Devendo deixar claro que esta monografia não tem o intuito algum de defender e/ou pleitear o aumento de pena ao crime de aborto, mas sim, mostrar a realidade presente do Brasil acerca de sua criminalização.

A lei vigente sobre a proibição do aborto traz um fenômeno chamado de “direito penal simbólico", que segundo Alice Bianchini e Luiz Flávio Gomes (2007) é uma norma que não traz possibilidade de direitos, ainda:


[...] Carece de legitimidade: manipula o medo do delito e a insegurança, reage com um rigor desnecessário e desproporcionado e se preocupa exclusivamente com certos delitos e determinados infratores. Introduz um exagerado número de disposições excepcionais, sabendo-se do seu inútil ou impossível cumprimento e, a médio prazo, traz descrédito ao próprio ordenamento, minando o poder intimidativo das suas proibições (GOMES; BIANCHINI, 2007).


Este fenômeno aplica-se a norma criminalizadora do aborto voluntário pelo fato dos órgãos da justiça não terem interesse de fato em aplicar as punições estipuladas, por inúmeros motivos, tais como as penas para este crime serem baixas onde geralmente acabam prescrevendo, não há denúncia do Ministério Público e principalmente por conta de ser um crime que exige uma investigação policial, sendo que seu procedimento ocorre na maioria das vezes em segredo, dificultando o trabalho jurídico (MOREIRA, 2014).

Há inúmeras formas de se provocar um aborto, isso dependerá muito de que mulher estará abortando, principalmente de seu patamar econômico. Como já foi visto anteriormente, esse é um fator que atua severamente na vida das mulheres, neste presente caso não seria diferente.

Observa-se a visão da Repórter da Agência Brasil, Akemi Nitahara (2017) destaca a ineficiência do sistema de justiça criminal brasileiro, destacando que a proibição é simplesmente ineficaz, não fazendo com que mulheres deixem de abortar, pois “Há tanto aborto no Brasil que é possível dizer que em praticamente todas as famílias do país alguém já fez um aborto – uma avó, tia, prima, mãe, irmã ou filha, ainda que em segredo. Todos conhecemos uma mulher que já fez aborto” (NITAHARA, 2017).

Conclui - se que os legisladores preferiram manter a criminalização da conduta do aborto até os dias atuais para uma satisfação social, em sua maioria influenciada por condutas religiosas que “repudiam” tal ato. Portanto, o aborto deveria ser tratado por outros canais de prevenção, informação e saúde, não em leis que meramente estão servindo para efeitos simbólicos e ajudando a agravar o quadro de mortalidade de mulheres (MOREIRA, 2014).


3.2 PESQUISAS SOBRE A PRÁTICA DO ABORTO NO BRASIL: INDICADORES SOBRE AS MULHERES QUE SE SUBMETEM AO ABORTO INSEGURO


Devido a prática da interrupção voluntária da gravidez ser considerado crime no Brasil não há estatísticas oficiais acerca de seus indicadores. Existem poucas pesquisas que têm estimativas dos números de mulheres que abortam, elementos de seus perfis e da prática realizada.

Conforme dados da OMS, em média no mundo cerca de 50% das gestações não são fruto de um planejamento, resultando em uma gravidez indesejada, recorrendo então de uma a cada nove mulheres ao abortamento (BRASIL, 2011, p.9). Sendo contabilizados 22 milhões de abortos inseguros são realizados por ano (JUNIOR, 2016).

O perfil das mulheres que abortam segundo dados do ministério da saúde (BRASIL, 2009, p.16), se trata predominantemente de: “[...] mulheres entre 20 e 29 anos, em união estável, com até oito anos de estudo, trabalhadoras, católicas, com pelo menos um filho e usuárias de métodos contraceptivos [...]”.

Aprofundando no assunto, foi realizada pesquisa sobre o tema, uma das principais, e também as mais conhecidas realizadas nesse âmbito. A PNA, a qual já foi citada anteriormente, abrangeu mulheres das áreas urbanas brasileiras, e teve sua realização em dois momentos, 2010 e 2016, ano que atingiu 83% da população feminina.

As duas pesquisas utilizavam-se da faixa etária de mulheres entre 18 a 39 anos. E, buscando por mais efetividade na pesquisa, a pesquisadora utilizou a junção de duas metodologias: entrevista, na qual continha mulheres entrevistando mulheres; e a técnica de urna, método parecido com a votação eleitoral utilizada até o ano de 2000 no Brasil (DINIZ, 2016, p.654).

A metodologia da técnica de urna traz maior segurança para suas participantes, pois há uma percepção de sigilo, que tende a aumentar a confiança nas pesquisadoras de que as respostas obtidas vão ser verdadeiras. É importante deixar claro que a pesquisa realizada não incluiu abortos espontâneos, e foi premiada como melhor estudo em saúde das américas em 2012 (DINIZ, 2016, p.654).

Inicialmente, os dados revelaram o perfil das mulheres que abortam no Brasil. Na pesquisa realizada em 2010, foi relatado que a prática abortiva cresce conforme a idade das mulheres aumenta. Tendo a variante de 6% entre 18 e 19 anos, e de 22%, entre 35 a 39 anos (DINIZ, 2010, p.962).

A pesquisa de 2016 veio para essa variante. Pode-se ver que, a crença de grande parte da população em relação ao aborto é de que a prática é realizada em sua maioria por mulheres promíscuas, jovens, que mantêm vários parceiros sexuais. Porém, a realidade é que as mulheres que abortam são mulheres comuns. Os dados analisados dizem que, por mais que mulheres jovens pratiquem o aborto, o mesmo também é muito realizado por jovens adultas (DINIZ, 2016, p.659).

Por este motivo, pode ser citado que a criminalização está afetando, além dos princípios demonstrados nos tópicos anteriores, também o planejamento familiar. Isso porque, muitas mulheres se vêem na situação de não ter condições, principalmente de cunho financeiro, de ter mais filhos. Por isso são optantes pela prática insegura do abortamento. Nesse sentido, a prática do aborto está sendo realizada por muitas mulheres como instrumento de planejamento familiar.

Ainda, a PNA 2010 evidencia que as consequências da prática insegura decaem principalmente por mulheres de baixa escolaridade. Já, a PNA de 2016 especifica ainda mais essas características, sendo de mulheres com baixa renda, de raça/etnia negra, indígenas e pardas (DINIZ, 2016, p.659).

Os procedimentos utilizados para o abortamento pelas gestantes, como foi evidenciado no tópico acima, acaba sendo praticado ocultamente, ou por conta da desinformação, perigosamente.

Por exemplo, considera-se a pesquisa que buscava saber a frequência e as condições do aborto induzido, na qual foram entrevistadas diretamente em suas residências 1.995 mulheres. Primeiro foi perguntado se a mulher já teria praticado o aborto, sendo que apenas 4% falaram que sim. Após, foi perguntado se alguma vez a mulher utilizou chás ou algum tipo de remédio para que sua menstruação descesse, uma porcentagem de 16,7% respondeu que sim (BRASIL, 2009, p.42), portanto:


Isso não significa que todas as mulheres que usaram chás ou remédios para menstruar tenham efetivamente realizado aborto, mas é possível que uma parcela delas assim tenha feito, apesar de não descrever a experiência como aborto (BRASIL, 2009, p.42).


Este trecho reflete fielmente a falta de informação da população brasileira existente acerca do aborto. Grande parte da população ainda não tem acesso a internet ou redes sociais, sendo que essas são formas auxiliares mais utilizadas para coleta de informações. Portanto, deve haver investimento no que é básico e primordial, que são as políticas públicas voltadas à informação.

Acerca dos principais métodos de abortamento, conforme dados da PNA realizada por Débora Diniz, há uma estimativa de que metade das mulheres abortam usando medicamentos. Tendo como principal medicamento utilizado o Misoprostol13, que atualmente é proibido no Brasil, onde já foi recomendado pela Organização Mundial da Saúde para corroborar com a realização de abortos seguros (DINIZ, 2016, p.656).

Contudo, os estudos, em geral, não demonstram especificadamente como as mulheres conseguem/utilizam instrumentos para praticar o aborto, muito menos sabem das práticas utilizadas por mulheres rurais e/ou indígenas. Ou seja, há muitos métodos, podendo ocorrer nas clínicas privadas, com parteiras ou em suas próprias casas (BRASIL, 2009, p.21-25).

Conforme os dados dos dois anos estudados pela PNA, percebe-se que o índice geral da realização do aborto não teve uma grande variação, demostrando que esta questão, além da magnitude de sua ocorrência, a sua prática também continua persistindo com o tempo (DINIZ, 2016, p.659).

Em comparação, em outros países onde o aborto foi legalizado, percebe- se uma diminuição ou estabilidade dos casos. Na Espanha, por exemplo, a prática foi legalizada no ano de 2010, até a 14ª semana de gestação. Decisão que dá direito e autoriza adolescentes com mais de 16 anos de idade, sem necessidade de autorização prévia dos pais e responsáveis para a realização (TORRES, 2011, p.8).

Ainda, segundo dados do Ministério da Saúde da Espanha, nos três primeiros anos de legalização os números de abortos caíram, sendo que em 2014 para frente o índice se manteve estável (BOUERI, 2018).

Já no caso de Portugal, legalizado no ano de 2009, autorizou-se a interrupção da gravidez até a 10ª semana de gestação (TORRES, 2011, p.8).

Conforme a Direção-Geral de Saúde de Portugal, seus índices após a legalização foram instáveis, tendo altos e baixos. Porém, em 2011, com o governo mais focado nos cortes de gastos orçamentários, os contraceptivos tiveram seu uso mais limitado, resultando no maior pico da prática (BOUERI, 2018).

Nos EUA, a descriminalização foi executada através do famoso caso Roe versus Wade, na qual, foi decidido pela Suprema Corte Americana, no ano de 1973, proibir o aborto somente após a 24ª semana de gestação. As taxas de abortos realizados não tiveram um grande aumento após a legalização (ECONOMIA, 2017):


Em 1974 foram realizados 1 aborto para cada 4 nascimentos, em 1980 1 para cada 2,25 nascimentos. A taxa se estabilizou no patamar da década de 80 [...] não apresentando crescimento explosivo como muitos dizem que pode acontecer caso o aborto seja liberado em uma sociedade (ECONOMIA, 2017).



Também, não pode ser esquecido de citar o vizinho de fronteira do Brasil, a Argentina, que legalizou, após anos de lutas, o aborto até a 14ª semana de gestação, recentemente, em 30 de dezembro de 2020 (PAIXÃO, 2021).

Por fim, retornando aos dados da PNA de 2010, conforme o total de mulheres entrevistadas na pesquisa, 55% delas precisaram ser internadas por terem passado por complicações após a prática. E, na PNA de 2016 foi visto que 48% das entrevistadas precisaram finalizar o aborto inseguro em clínicas hospitalares (DINIZ, 2016, p.964).

Tendo isso em vista, a curetagem, procedimento médico considerado antigo, porém ainda muito utilizado nacionalmente, ocorre logo após o abortamento, se tratando de uma raspagem uterina, que irá extrair todo o resto do aborto que continuou no útero na mulher. Em 2011, a curetagem esteve em terceiro lugar do ranking dos procedimentos obstétricos realizados pelas unidades públicas de serviços de saúde (BRASIL, 2011, p.10).

Segundo uma reportagem obtida pelo jornal Folha de São Paulo, acerca dos gastos que o governo com esses procedimentos mal realizados:


Em uma década, o SUS gastou R$ 486 milhões com internações para tratar as complicações do aborto, sendo 75% deles provocados. De 2008 a 2017, 2,1 milhões de mulheres foram internadas. No intervalo, embora o número de internações tenha caído 7%, as despesas hospitalares subiram 12% em razão da gravidade dos casos (COLLUCCI; FARIA, 2018).


Se o aborto não fosse criminalizado, milhares de mulheres teriam acesso a medicamentos legais e métodos seguros para a prática, resultando na diminuição de gastos públicos com curetagens, pois grande parte dessas internações nem existiriam (DINIZ, 2010, p.964). De modo que esses gastos poderiam ser evitados e transferidos para outras áreas sociais que estão carentes de investimentos no Brasil. Ainda, por conta das diversas complicações pós abortamento, dependendo de seus graus, muitas mulheres acabam chegando a óbito. Contabilizado pelo SUS, sendo a terceira causa de mortalidade materna no Brasil, existindo variantes em cada estado (DOMINGOS, 2010 p.178). Ao se cruzar dados entre os Sistemas de Informação sobre Mortalidade (SIM), Nascidos Vivos (Sinasc) e Internação Hospitalar (SIH), entre os anos de 2006 a 2015, o número de mortes maternas contabilizadas por aborto como principal razão chegou a 770 óbitos. Aumentando este número para 993, se for considerar os prontuários que alegam outras razões de morte, porém mencionam o aborto em algum momento (VEIGA, 2020).

Somente no Estado de Santa Catarina, em uma pesquisa com participação de um grupo de mulheres entre a faixa etária de 10 e 49 anos, entre os anos de 1996 a 2005, foram totalizadas 31 mortes maternas por aborto, atingindo a porcentagem de 83,87% das idades entre 20 e 39 anos (SOUZA, 2008, p.736).

Mediante essa realidade e analisando todos os dados expostos, concebe- se que o abortamento se encontra ao nível de ser recorrente na vida de muitas mulheres, trazendo grandes consequências sociais, especialmente para as principais vítimas da criminalização, “as mulheres periféricas”.


3.3 ADPF Nº 54 E O HC Nº 124.306: A VISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O DIREITO AO ABORTO E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS


Tendo em vista o tema desta monografia e que nos capítulos a frente será incluído uma discussão sobre a Arguição Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 442, sobre a descriminalização do aborto, importa neste tópico avaliar decisões recentes do STF, que trabalharam com temas correlatos a questão do aborto e a sua descriminalização.

As decisões que vão ser estudadas serão a ADPF nº 54, julgada em 12 de abril de 2012, que trabalhou sobre a questão do aborto por fetos com anencefalia ou anomalias fetais incompatíveis com a vida. A ação teve como relator o ministro Marco Aurélio e decidiu pela autorização da antecipação terapêutica do parto de feto anencéfalo, considerado natimorto cerebral. A votação teve resultado em sua maioria, de 8 votos contra 2, procedente. E, o Habeas Corpus (HC) nº 124.306/RJ de 09/08/2016, que discutia o caso de prisão preventiva de dois pacientes que mantinham em funcionamento de uma clínica de aborto ilegal.

Primeiramente, a fim de buscar maior compreensão sobre o tema, é necessário saber qual a teoria adotada sobre o início da vida pelo STF. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.510 julgada pelo STF, em 29 de maio de 2008, que visava questionar a lei de biossegurança, sobre as pesquisas de células- tronco embrionárias in vitro, resultou naquele momento por maioria dos votos optar pelo entendimento jurídico de que o início da vida, apesar da existência de muitas teorias sobre o assunto, inicia-se com fixação do zigoto nas paredes uterinas da mulher, a nidação (BRASIL, 2008). A autora Mônica Scarparo (1991, p.42) completa, dizendo: “Não seria viável falar de vida humana enquanto o blastócito ainda não conseguiu a nidação, o que se daria somente no sétimo dia, quando passa a ser alimentado pela mãe”.

Adentrando na ADPF nº 54, sua discussão foi cerceada por alguns princípios constitucionais importantíssimos como: a dignidade da pessoa humana, o direito à vida, à proteção da liberdade, autonomia, privacidade e saúde. Sendo fortemente fundamentada na linha da medicina, pois a primeira questão gerada foi se os fetos anencéfalos eram sujeitos de direitos. Tratando-se dos preceitos fundamentais, o judiciário sempre optou pela preservação da vida do nascituro. Porém, nesses casos, os fetos com anencefalia são considerados natimortos cerebrais, ou seja, um bebê que já nasce morto.

Complementando, conforme o Deputado Federal e Professor Dr. José Aristodemo Pinotti: “O feto anencéfalo, sem cérebro, não tem potencialidade de vida. Hoje, é consensual, no Brasil e no mundo, que a morte se diagnostica pela morte cerebral. Quem não tem cérebro, não tem vida” (2012, p.14).

Ainda, acerca das estatísticas, 75% dos fetos anencéfalos falecem intra uterinamente, 25% chegam a nascer, porém sobrevivem em forma vegetativa. Dentre estes, em sua maioria acabam falecendo no período temporal de 24 horas, o restante nas primeiras semanas de vida (BRASIL, 2012, p.47). Ou seja, esses fetos nunca chegaram a se tornar um indivíduo-pessoa, resultando em não ser sujeitos de direitos. Reiterando, o Ministro Marco Aurélio (BRASIL, 2012, p.69) comentou que diante destes fatos, não se deve colocar em primeiro lugar o feto anencéfalo, pois o mesmo vai morrer logo após o parto, ou algumas horas depois. Sendo assim, os direitos básicos da mulher, seu bem estar emocional e físico se tornam a principal preocupação existente.

Foram evidenciados perigos em se ter um feto anômalo no útero da mulher. Os amici curiae apresentados trouxeram à tona assuntos como a complexidade dos partos, que são dolorosos e demorados. Pois a cabeça dos portadores de anencefalia, por conta da deformação não se encaixa na pélvis das mulheres, muitas vezes sendo necessário partir para uma cesariana (BRASIL, 2012, p.30).

Além do sofrimento e desespero após saber das condições do feto, conjuntamente com a obrigação em aguardar nove meses, com um parto geralmente complicado para ao final dar a luz a um bebê que poderá ter em seus braços, configura-se uma imensurável dor, intensamente injusta, a qual nenhuma mulher deveria ser condenada. A dignidade, autonomia e a saúde dessas mulheres são diretamente feridas quando não se tem o direito de abortar um feto que já se sabe ter condições não compatíveis com a vida.

Foram ouvidos alguns relatos emocionantes de mulheres que infelizmente passaram por estas situações, conjuntamente com doutores da área. Nos relatos foi possível constatar o intenso sofrimento passado por elas, e que só foram acalmados após ter ganho por decisão liminar e realizado a antecipação terapêutica do parto.

E quando, por algum motivo, a gestante é impedida de realizar tal procedimento, acaba acarretando riscos à sua saúde futuramente, conforme o médico Talvane Marins de Moraes, como:


[...] Um quadro psiquiátrico grave de depressão, de transtorno, de estresse pós-traumático e até mesmo um quadro grave de tentativa de suicídio, já que não lhe permitem uma decisão, ela pode chegar à conclusão, na depressão, de autoextermínio (BRASIL, 2012, p.71).



Resumidamente, a ADPF após a discussão acerca dos direitos existentes ou não do feto natimorto cerebral trouxe argumentos que levaram em conta a única vida que estaria em jogo diante desse quadro, que são a das gestantes.

No que se refere ao HC nº 124.306/RJ, o relator da ação coincidentemente também foi o Ministro Marco Aurélio onde trouxe relevantes observações sobre a problemática. Ainda, deve-se ser exposto o fato da decisão ter tido sede do controle concreto, portanto não faz jus ao efeito vinculante para o mundo jurídico, somente para as partes envolvidas. Também não será adentrado no mérito da prisão preventiva dos pacientes. O que de fato será de grande valia ao estudo, será interpretação que foi dada acerca do aborto.

Relembrando os direitos reprodutivos e o princípio da dignidade humana, já estudados nesta monografia, considera-se que a decisão foi ricamente pautada em vários aspectos, utilizando os direitos fundamentais em prol das mulheres, à qual foi deixado claro, que estão sendo expressamente violados pela norma criminalizadora em discussão. O relatório expressou, com todas as letras, que a criminalização afeta os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, pois o estado influencia diretamente no desejo das mulheres em se ter filhos ou não, quando e quantos quiserem (BRASIL, 2016, p.2).

O princípio da autonomia, que pode ser analisado junto com a integridade física e psíquica da gestante. Pelo fato de que, respectivamente, a mulher está proibida de tomar decisões e controlar seu próprio corpo. Dessa maneira, é esse corpo e mente feminina que irão sofrer as conseqüências (BRASIL, 2016, p.2).

O princípio da igualdade também foi citado, e traz a questão da subordinação histórica das mulheres perante aos homens. O fato de que homens simplesmente não engravidam, não os autoriza a julgar uma experiência que não vivenciam, que não diz respeito ao seu corpo. Portanto, deve haver a igualdade de gênero, que será fundada no respeito à vontade feminina em não querer gerar uma criança (BRASIL, 2016, p.2-3). O ministro Carlos Ayres Britto, em seu voto, concorda dizendo: “se os homens engravidassem, não tenho dúvida em dizer que seguramente o aborto seria descriminalizado de ponta a ponta” (BRASIL, 2012, p.20).

Ainda, é imprescindível dizer que a criminalização do aborto é um dos pontos que aumentam a desigualdade social, dado ao fato de que são mulheres pobres as que saem com maior prejuízo. Essas mulheres não têm acesso à clínicas privadas, ou ao luxo de saírem do Brasil para abortarem em países do exterior em que a prática é legalizada. Esses são exemplos de algumas formas optantes pela maioria das mulheres com poder econômico mais alto, quando se deparam com uma gravidez indesejada (BRASIL, 2012, p.20).

O ministro Marco Aurélio (BRASIL, 2016, p.20), define perfeitamente a realidade resultante da criminalização, deixando as claras que o aborto não é um fenômeno raro e que submete as mulheres pobres a procedimentos precários e primitivos, que podem resultar em lesões e óbitos. O mesmo critica à realidade que grande parte da população brasileira acredita, onde banalizam os movimentos em prol do aborto com a justificativa de que a legalização serviria como estímulo à prática, onde as mulheres sairiam “abortando por aí”, sem nenhum limite. Pensamento equivocado, pois o aborto não é feito por um mero prazer. É uma decisão sensível e difícil a ser tomada, que terá efeitos para toda vida da mulher (BRASIL, 2016, p.16).

Além dessas questões de ordem social, a criminalização do aborto afetaria o princípio interpretativo da proporcionalidade da lei, que se subdivide em três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Em relação a adequação da norma que teria como finalidade a proteção do feto, não está surtindo efeitos significativos pois não diminui a quantidade de abortos praticados no país, apenas está interferindo no acesso seguro do abortamento. Sobre a necessidade para evitar a realização dos abortos, a mesma pode ser suprida mediante outros métodos mais eficazes e que vão ser menos lesivos aos direitos das mulheres, como por exemplo a inserção da educação sexual nas escolas. Por fim, a desproporcional em sentido estrito se dá por conta dos altos custos monetários sociais, como exemplo desses prejuízos além das mortes maternas, são as internações pelo SUS por conta de abortos inseguros não finalizados ou com complicações, contabilizados no item anterior 3.2 desta monografia, que se tornam superiores aos benefícios que a criminalização traz (BRASIL, 2016, p.12-16).

Por fim, em vários pontos do relatório do HC é insistido na complexidade que cerceia a prática do aborto, e que por este motivo deve ser inserido no rol da saúde pública, que deve ser tratado da forma que faz jus. O ministro Marco Aurélio (BRASIL, 2016, p.5) complementa dizendo:

O aborto é uma prática que se deve procurar evitar, pelas complexidades físicas, psíquicas e morais que envolve. Por isso mesmo, é papel do Estado e da sociedade atuar nesse sentido, mediante oferta de educação sexual, distribuição de meios contraceptivos e amparo à mulher que deseje ter o filho e se encontre em circunstâncias adversas (BRASIL, 2016, p.5).


É questionável a posição do Estado sobre o abortamento, pois esta prática está totalmente ligada ao problema da saúde pública brasileira, à qual o Estado atua como partícipe. O fato de não se falar sobre a questão, como está sendo tratada atualmente no Brasil, não irá fazê-la desaparecer.

Nota-se que as duas ações estudadas têm muitos pontos em comum, especialmente pelo fato dos direitos das mulheres, por mais que estejam em diferentes bases materiais em questão de julgamento, são colocadas em evidência e prioridade. Concluindo que a legislação brasileira acerca da interrupção voluntária da gravidez está batendo de frente com os direitos fundamentais das mulheres. É importantíssimo ter a percepção plena acerca das múltiplas realidades e opressões que cerceiam a vida das mulheres, especialmente no caso das mulheres negras, pobres ou de baixa escolaridade, as quais são as que mais sofrem com as consequências da norma criminalizadora, a fim de sempre buscar o melhor em uma legislação, que irá englobar e beneficiar todas as mulheres, não somente um grupo específico.


4 ANÁLISE DA ADPF Nº 442/DF SOBRE A DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO



A ADPF é uma ação constitucional prevista no artigo 102, parágrafo 1º, da Constituição Federal de 1988, conjuntamente com o artigo 1º da Lei 9.882 de 1999, a qual deve ser apreciada e julgada pelo STF. Quando provocada pelo autor, a ação tem sua matéria ligada diretamente à Constituição, a qual tem por finalidade sua proteção contra atos normativos que desrespeitam preceitos fundamentais contidos nela (TAVARES, 2019, p.336). Sua decisão terá efeitos erga omnes, ou seja, terá efeitos vinculantes aos órgãos do Poder Público. E também, ex tunc, que significa ter caráter retroativo, onde atual sobre decisões e sentenças antigas a decisão da ADPF (BRASIL, 1998).

Portanto, neste capítulo pretende-se analisar alguns tópicos contidos na ação que são considerados, atualmente, os mais importantes acerca do aborto, a ADPF nº 442. Ajuizada em 8 de março de 2017, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), a ação está em tramitação.


4.1 PRESSUPOSTOS UTILIZADOS NA INICIAL DA ADPF Nº 442/DF


Primeiramente, devem ser expostas algumas informações constantes e atuais da ADPF nº 442. Após sorteio de distribuição, a relatora convocada para o julgamento da ADPF em discussão foi Ministra Rosa Weber. Em agosto de 2018 foi realizada audiência pública, e atualmente a ADPF ainda se encontra disponível para julgamento (BRASIL, 2017).

A seguir, pretende-se examinar os argumentos apresentados na inicial da ação, trazendo também alguns elementos já examinados nesta monografia.

O PSOL ajuizou a ação a fim de contestar a criminalização do aborto, sob a justificativa de que os artigos 124 e 126 do Código Penal de 1940 ferem variados preceitos fundamentais atualmente garantidos às mulheres. Segundo a própria petição inicial, seriam eles (BRASIL, 2017, p.1):


Dignidade da pessoa humana, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, da saúde e do planejamento familiar de mulheres, adolescentes e meninas (Constituição Federal, art. 1o

, incisos I e II; art. 3o , inciso IV; art. 5o , caput e incisos I, III; art. 6o , caput; art. 196; art. 226, § 7º) (BRASIL, 2017, p.1).



Sendo assim, um dos pedidos principais constantes na inicial foi a não recepção parcial dos artigos supracitados. Esta recepção solicitada pelo partido refere-se a alguma parte, trecho, artigo ou palavra, que foi colocada de forma errática, podendo contaminar inteiramente uma norma. Com a dissolução parcial, aquele erro na lei, não entrará mais em conflito com a Constituição (TAVARES, 2019, p.321).

No caso em questão, a não recepção parcial seria utilizada para que a interrupção induzida e voluntária da gravidez seja realizada até às doze primeiras semanas de gestação, e assim fossem eliminadas do âmbito de incidência contidas nos artigos em questão (BRASIL, 2017, p.61).

A inicial explana que o princípio da dignidade humana, direito ao planejamento familiar, da não discriminação, liberdade e os direitos reprodutivos da mulher são feridos, a partir do momento em que uma mulher, em um estado crucial, é impedida de tomar uma decisão sobre sua própria vida (BRASIL, 2017, p.8-9). Nestes casos, está sendo colocada em primeiro lugar a “vida do feto” antes da “vida da gestante”. Consequentemente, as mulheres perdem também seu direito de autonomia, não podendo ter controle sobre seu próprio corpo e fecundidade. Um dado a ser evidenciado é sobre o total de mulheres que praticaram o aborto no passado, e atualmente tem filhos, chegando a um total de 3.019.797 mulheres. Tal informação deixa clara a magnitude desta prática (BRASIL, 2017, p.3).

Ainda, foram introduzidas algumas questões de direito comparado, dando ênfase à descriminalização até a 12º semana de gestação, e os processos passados pelos países, como EUA, Colômbia e Alemanha, para sua efetivação. Onde traz, nas revisões recentes da Suprema Corte Estaduniense a afirmação sobre o aborto:


[...] as decisões combinaram o reconhecimento do aborto como um direito reprodutivo das mulheres, com a consideração de valor intrínseco do humano no embrião ou feto, porém sem amparo constitucional para imputação de direitos fundamentais (BRASIL, 2017, p.15).


Diante disto, não é de hoje que o princípio da dignidade humana é complexo. Esse assunto conforme os elementos essenciais para afirmação deste princípio, já foram explicados no tópico 2.3 desta monografia.

Após análises das ADI nº 3.510 e ADPF nº 54, sobre a discussão deste princípio ser aplicado ou não ao feto. A inicial traz o entendimento de que o mesmo é humano, ao qual tem valor intrínseco, porém, ele não faz parte de um estatuto de pessoa constitucional. Mais especificamente: “o estatuto de pessoa constitucional inicia-se no nascimento com potência de sobrevida, mesmo com auxílio de complexas tecnologias biomédicas” (BRASIL, 2017, p.35). Sendo assim, a aplicabilidade do princípio da dignidade humana ao feto, sobressaindo ao da mulher, não seria correto.

As violações aos direitos à saúde, integridade física e psicológica das mulheres, e a proibição de submissão a tortura ou a tratamento desumano ou degradante são feridas por culpa deste impedimento. Isso obriga as mulheres a serem mães, podendo acarretar graves consequências e sofrimentos em suas vidas, muitas vezes irreversíveis. Especialmente, em casos específicos de vulnerabilidade, como raça, classe, idade, etc. (BRASIL, 2017, p.9).

Acompanhando esta mesma linha de raciocínio, foi visto que a longa permanência da criminalização do aborto afeta diretamente essas mulheres com vulnerabilidades. Essa prática afeta o princípio da não discriminação, que se choca diretamente com a questão do sistema carcerário e jurídico seletivo. Seletivo, pelo fato de serem fortemente influenciados por descriminalização raciais e de classe (BRASIL, 2017, p.3-4).

O exemplo trazido, é que se aplicabilidade da lei fosse plena, as mulheres seriam a maior população carcerária no Brasil, porém, nas palavras constantes na própria inicial: “não seriam quaisquer mulheres nos presídios: é principalmente para as mulheres negras e indígenas, pobres e menos escolarizadas que os efeitos punitivos do aborto resultariam em prisão.” (BRASIL, 2017, p.4). Essas afirmações foram confirmadas mediante dados percentuais expostos pela PNA 2016, pesquisa de Débora Diniz, a qual já foi evidenciada no tópico 3.3 desta monografia.

Os casos de repercussão nacional de Jandira Magdalena dos Santos Cruz, Elizângela Barbosa e Caroline de Souza Carneiro, mulheres mortas após buscarem por procedimentos de aborto clandestinos, guiaram a fala acerca de um dos maiores problemas de saúde no Brasil, a mortalidade feminina. As mortes de mulheres nesses casos poderiam ser impedidas de ocorrer com descriminalização. E, apresentam o seguinte entendimento: “Esta é uma despossessão da ontologia das mulheres pelo patriarcado da lei penal, pois somente mulheres engravidam e somente para elas a criminalização do aborto pode resultar em tortura ou morte” (BRASIL, 2017, p.15).

Algumas decisões do STF foram citadas, como a ADPF nº 54 e o HC nº 124.306 citados no item 3.3 desta monografia. A fim de serem utilizadas para dar harmonia e continuidade aos entendimentos do STF, pois mesmo que alguns não tenham tido efeito vinculante, estabelece-se premissas sobre o aborto que são totalmente úteis á ADPF nº 442 (BRASIL, 2017, p.21-30).

Por fim, como no HC 124.306, também foi invocado o princípio da proporcionalidade para verificar a constitucionalidade da norma criminalizada, aplicando subtestes de adequação, necessidade e proporcionalidade estrita (BRASIL, 2017, p.45-50). No teste de adequação, a inicial atingiu as seguintes considerações:


a) não se promove o valor intrínseco do humano no embrião ou o feto; b) o aborto é um evento reprodutivo que tem início muito precocemente na vida reprodutiva das mulheres, ainda na adolescência; c) a criminalização impede que a assistência ao aborto seja um momento de educação para o planejamento familiar e prevenção para futuros abortos; d) a criminalização favorece um mercado clandestino de medicamentos ou clínicas, amplificando os riscos à saúde e vida das mulheres. Em uma perspectiva nacional, as taxas de morbimortalidade materna e o número de internações em hospitais para curetagens uterinas pós-aborto são evidências sistemáticas dos riscos impostos às mulheres pela ilegalidade do aborto no Brasil (BRASIL, 2017, p.49).


Por mais que a doutrina compreenda que quando uma norma não passa em um dos testes propostos já é considerada não viável, porém a inicial decidiu contextualizar mais, aplicando os outros testes (BRASIL, 2017, p.49).

O teste de necessidade deixa claro a existência de outras formas de se lidar com o aborto que vão ser mais benéficas, principalmente para a mulheres. Uma delas seria a inserção da pauta de saúde sexual e reprodutiva em políticas públicas. Já acerca da criminalização, segundo a própria doutrina criminal com o princípio da ultima ratio, deve ser a última opção do legislador por conta de sua gravidade (BRASIL, 2017, p. 49-52). No teste de proporcionalidade estrita que diz respeito aos efeitos da lei, percebesse os riscos à saúde da mulher, incluindo tratamentos degradantes e gastos públicos com internações, que são desnecessários tento em vista que se o aborto realizado no primeiro trimestre da gestação é considerado seguro, chegando ao percentual menor que 0,05% de risco de complicações que vão exigir internações, auxílio médico, etc. (BRASIL, 2017, p.53-54).


Utilizando dados da França, onde o aborto é legalizado e de competência do sistema do seguro nacional de saúde, mostrou-se que após a descriminalização, em 1975, às taxas de aborto diminuíram cerca de 24,5% (BRASIL, 2017, p.50-51).

Sendo assim, a inicial de propositura da ADPF buscou mostrar principalmente os males causados às mulheres com manutenção do aborto no Brasil, e também alguns benéficos que a legalização poderia trazer à sociedade.


4.2 AUDIÊNCIA PÚBLICA DA ADPF Nº 442: DEBATE SOBRE O TEMA POR MEIO DE AMICI CURIAE


Um dos diversos elementos que levaram a ADPF nº 442 a ser conhecida nacionalmente, foi à grande repercussão social associada ao polêmico tema. Desta maneira, a Ministra Rosa Weber tomou iniciativa em convocar uma audiência pública, abrindo espaço para escutar especialistas no assunto e representantes da sociedade, a fim de buscar melhores entendimentos sobre a pauta do aborto.

Definiu-se entre quatro a cinco horas das manhãs e tardes dos dias 03 e 06 do mês de agosto de 2018, onde cada participante teve até 20 minutos para fazer suas exposições. Ao todo, foram protocolados 39 pedidos de entidades interessadas para se tornarem amici curiae, também conhecido como amigo da corte, batendo recorde no tribunal (BRASIL, 2018).

Os amici curiae são considerados como auxiliares para a corte em meio a um processo. Eles auxiliam nos esclarecimentos de questões envolvendo a matéria em discussão, trazem informações e argumentações, cooperando para um debate plural e racional, consequentemente trazendo uma tomada de decisão com legitimação social (MARINONI et al, 2020, p.1215).

Dentre estes, até o momento, apenas três instituições foram admitidas: Partido Social Cristão (PSC), União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP) e Instituto de Defesa da Vida e da Família (IDVF). Sendo todas as três contrárias à descriminalização. Porém, somente a instituição UJUCASP, participou da audiência pública, na pessoa de seu representante, a Dra. Angela Vidal Gandra Martins Silva.

Em seu discurso, a Dra. Angela Vidal, afirmou inicialmente que caso o aborto fosse descriminalizado, levaria a um “aborto jurídico”, tipo de atentado ao Estado Democrático de Direito (BRASIL, 2018).


Sobre o direito à vida, discorreu que o assunto não é sujeito a ser debatido, mas caso fosse, o judiciário não é o espaço correto para isso, pois se trata de uma matéria de relevante valor social. E, o judiciário não pode violar a jurisdição do parlamento, ainda que os constituintes rejeitaram a descriminalização, complementando que não existe um “suposto direito constitucional ao aborto” (BRASIL, 2018).

Acerca dos interesses da mulher, compreende que os direitos iguais devem ser pensados de modo antropológico, pois homens não engravidam. A mulher deve ter liberdade de querer ter relações sexuais, porém a partir do momento que conceber, existe outra liberdade crescendo, que seria a do feto, em querer nascer (BRASIL, 2018).

Sendo assim, o feto seria parte do corpo feminino, é um ser dependente, condição humana que todos passam e até podem passar durante toda sua vida. Defendendo que: “Por outro lado, como bem comprovado, a integridade psíquica da mulher é muito mais ameaçada pela prática do aborto do que pelo acolhimento da maternidade.” (BRASIL, 2018).

Por fim, finalizou sua fala demonstrando seu anseio por não querer que o Brasil gaste recursos com o aborto seguro, mas sim em educação, atenção, informação e planejamento adequado. O pensamento sobre a liberdade de escolha da interrupção da gravidez é um erro, tornando as mulheres vítimas de sua própria ignorância e violência (BRASIL, 2018).

Além dos amici curiae foram protocolados mais 187 pedidos de outros participantes para exposições em audiência pública, dentre estes foram escolhidos, conjuntamente com seus expositores e respectivos posicionamentos (BRASIL, 2018):

Quadro 1 - Participantes da audiência pública da ADPF nº 442/DF realizada nos dias 03 e 06 de agosto de 2018, em ordem alfabética


Participantes/ Expositores (as)/ Posição







Em gravações realizadas pela TV Justiça, canal de televisão do judiciário brasileiro, conforme vídeos disponibilizados pela própria conta do STF no Youtube, mostram as fervorosas exposições contidas na audiência pública, sendo necessária a intervenção da ministra Rosa Weber em alguns momentos, pelo fato dos presentes estarem se comportando como se as sessões fossem algum tipo de competição, quebrando os protocolos do judiciário. Sempre quando os ânimos se exaltavam, a ministra intervém comentando educadamente sobre a importância de respeitar e aprender com todas as opiniões, e que aquele espaço não era adequado para manifestações exageradas, como gritos e assobios, eram apenas admitidas palmas (BRASIL, 2018).

Nota-se que estiveram presentes alguns estudiosos (as) estrangeiros, seus estudos e visões agregaram abundantemente ao debate, onde demonstraram dados científicos e as posições de seus países de origem acerca da interrupção voluntária da gravidez (BRASIL, 2018).

Houve uma total de 49 participantes em audiência, tendo uma diversidade de expositores. A maioria destes participantes, especificadamente 32 discursaram em prol da descriminalização do aborto, e 17 em desfavor da demanda. Ambos os lados trouxeram muitos fatos, conteúdos científicos e sociais para o enriquecimento de seus discursos (BRASIL, 2018).


4.3 OS RISCOS DA MANUTENÇÃO DA CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO PARA A SAÚDE E VIDA DAS MULHERES: ANÁLISE DA DECISÃO DO STF


Haja vista que a ADPF nº 442 ainda não foi julgada, vão ser citados alguns argumentos que podem ser levados à possível decisão que o STF pode vir a formalizar futuramente. Por óbvio, não se trata de uma certeza de votos, será explanado algumas expectativas a partir das análises constantes ao todo dessa monografia, e especialmente as decisões passadas, proferidas pelo STF que consagraram o assunto, presentes no tópico 3.3.

Primeiramente, em oposição contrária a descriminalização do aborto, leva-se em consideração a interferência política nas questões do STF, não sendo este um tribunal exclusivamente jurídico. Se a ADPF fosse julgada nos dias atuais, não haveria um ambiente político favorável a aceitação da descriminalização do aborto. O governo atual é de matriz conservadora, conduzido muito por visões religiosas, possuindo até mesmo à frente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, uma ministra1 que segue fielmente este viés.

Em segundo lugar, tendo em vista o discurso proferido na decisão do HC nº 124.306/RJ pelo ministro Marco Aurélio, o mesmo afirma que prática do aborto deve ser evitada ao máximo, por conta de seus variados fatores de risco que a englobam (BRASIL, 2016, p.5). Considera-se o fato das políticas públicas e o acesso a métodos eficazes contra a gravidez serem precários no Brasil. Como por exemplo a laqueadura ou ligamento tubário regulamentada pela lei 9.263/96, onde tem um procedimento cirúrgico relativamente simples, considerado atualmente como um dos métodos contraceptivos mais eficazes, com cerca de cerca 99% de garantia (SEDICIAS, 2020). Para sua concessão a mulher precisa ter pelo menos 25 anos, ou ter tido dois filhos, necessariamente vivos. Além desses fatores, caso a mulher seja casada irá precisar da autorização de seu companheiro para a realização do procedimento (BRASIL, 1996), uma clara interferência do direito das mulheres sobre seus próprios corpos, tendo em vista o grau de dificuldade para o acesso do procedimento. É importante citar que já percorre em tramitação no STF a ADI nº 5911/2018, sua discussão tem como finalidade declarar a inconstitucionalidade sobre a necessidade desta autorização do companheiro para a efetivação da laqueadura (BRASIL, 2018).

À vista disso, um dos argumentos muito citados em audiência pública pelos expositores que se posicionavam contra a descriminalização do aborto, foi que caso o STF em sua decisão opte por entender que realmente existe um déficit nas questões relacionadas a investimentos na área da conscientização reprodutiva, tal decisão poderá ter efeitos positivos no futuro. Isso porque essa decisão poderá acarretar reflexos no mundo político e jurídico, como flexibilização de algumas leis de acesso mais descomplicado à laqueadura e educação sexual nas escolas. Assim, ações estatais como essa poderiam ter como resultado a diminuição dos índices da prática do aborto inseguro, encaixando-se no viés para não descriminalização na decisão da ADPF. Portanto, para tais grupos, importa primeiro defender que é necessário que haja uma revitalização e melhora nesse cenário, mantendo-se a criminalização da interrupção voluntária da gravidez.

Por fim, outro argumento que poderia ser utilizado para a manutenção do aborto seria para proteção do feto ou nascituro. Visão muito citada nas rodas de debates sobre o aborto, que também foi fortemente defendida em audiência pública, geralmente por expositores que tinham vínculos religiosos. Em síntese, essa visão trata o feto separado do corpo da gestante, por mais que ele esteja dentro do útero da mulher ela não tem direito nenhum de escolher qual o seu destino, pois o feto já é considerado uma vida autônoma mas não tem como ele próprio se defender, necessitando assim ser cerceado por leis à seu favor, especificamente a “criminalização do aborto”.

Em contraposição, com argumentações favoráveis à descriminalização da interrupção voluntária da gravidez. Primeiramente deve ser lembrado da decisão contida no HC nº 124.306/RJ, onde os ministros responsáveis pelo processo chegaram ao entendimento que a lei penal é incompatível com o aborto praticado nos três primeiros meses de gestação por ferir diversos direitos fundamentais das mulheres que já foram comentados no item 3.3 dessa monografia (BRASIL, 2016, p.1-2). Esse julgado se configura como um forte elemento favorável para descriminalização do aborto, mesmo que a decisão proferida não tenha efeitos vinculantes, contém um histórico de alguns entendimentos do STF muito bem fundamentados.

Ainda, observa-se que criminalização não está servindo como instrumento preventivo, o temor que a lei penal supostamente deve causar nos cidadãos para que aquele determinado crime não aconteça, não está ajudando a diminuir os casos de aborto, está na verdade promovendo o contrário disto. Há uma alta persistência na manutenção do número de mortes maternas e gastos públicos com internações por conta das práticas clandestinas mal executadas, que segundo o ginecologista Jefferson Drezett (VARELLA, 2014): “os recursos que gastamos para tratar as graves complicações do aborto clandestino são muito maiores que os recursos de que precisaríamos para atender as mulheres dentro de um ambiente seguro e minimamente ético e humanizado”.

O Comitê CEDAW, que atua para a eliminação de todas as formas de descriminalização contra as mulheres, inseriu na sua mais recente Recomendação Geral número 35, artigo 18 o entendimento de que a criminalização do aborto se configura como uma forma de violência contra a mulher (ACCIOLY, 2019, p.21-22). Colocando no contexto da lei penal, considera-se que a condenação de uma mulher pós aborto configura-se como uma dupla violência, pois ao se submeter ao procedimento ela já veio a cometer uma violência contra si mesma. Como o próprio ministro (BRASIL, 2016, p.20) comentou no julgamento do HC nº 124.306/RJ, que realizar o abortamento não é uma decisão fácil e simples de ser tomada, que será rapidamente esquecido rapidamente, pois pode acompanhar a mulher pelo resto de sua vida. Portanto, a coerção da lei penal não resolve o problema principal e leva a mulher a essa punição penal, que resulta em outra violência.

O segundo ponto a ser tocado, faz ponto com o argumento anterior, com leitura interseccional sobre o tema, assunto tratado no item 2.2 desta monografia, mostra que a criminalização afeta uma parcela específica da sociedade, conforme pesquisas realizadas pela antropóloga Débora Diniz (2016, p.659) constantes na PNA 2016, o alvo principal das violentas consequências da criminalização, como as complicações do aborto inseguro e as prisões em decorrência destes são as mulheres negras, indígenas, pardas e/ou pobres, ainda mais se tratando de um sistema penal brasileiro seletivo, incidindo geralmente nessa parcela da população, pois conforme Débora Diniz em entrevista:

Todas as mulheres – as brancas, as negras, as de classe média, as mais pobres, as das elites, dos melhores bairros, das periferias – fazem aborto. Mas só aquelas mesmas que o Estado, que a polícia bota a mão, são aquelas em quem a polícia vai botar a mão quando fazem aborto (DIP, 2018)


Mulheres detentoras de maior poder aquisitivo têm maiores possibilidades para realização de procedimentos mais seguros, como viajar a países do exterior que possuem o aborto voluntário legalizado ou até mesmo procurar clínicas clandestinas e médicos especializados no Brasil, que conforme altos valores monetários estipulados realizam os procedimentos ilegalmente. Frisando que elas correm riscos da mesma forma, porém a sujeição a manutenção da criminalização do aborto ameaça principalmente as mulheres negras, pobres e periféricas, que tem maior chance de sofrer e morrer com as técnicas calamitosas empregadas pelo aborto inseguro (VARELLA, 2014).

Como último argumento, utilizando-se dos discursos proferidos em audiência pública da ADPF nº 442 (BRASIL, 2018), uma das questões importantíssimas tocadas por expositores favoráveis à descriminalização foi acerca dos direitos do feto dentro do útero sob os direitos da mulher. Levou-se ao entendimento principal de que o direito à vida presente no artigo 5º da Constituição Federal deve proteger aqueles que já são nascidos, ou seja, as mulheres, pois são elas que estão sendo mais prejudicadas com a criminalização. Os dados constantes do tópico 3.2 do terceiro capítulo expõem os altos números de morte materna causadas pela prática insegura do aborto. E em muitos casos, quando a mulher não chega a óbito, tem grandes chances de ter sequelas irreparáveis para toda sua vida, ferindo principalmente a dignidade da pessoa humana e seus direitos reprodutivos, beirando suas vidas ao descaso.

Por fim, relembrando o fato de que tanto na inicial da ADPF nº 442 (BRASIL, 2017), quanto com os expositores da audiência pública e os estudos também apresentados no tópico 3.2 do terceiro capítulo, demonstram a magnitude do aborto. Tal prática ocorre por décadas, por ter uma das ligações diretas à vida reprodutiva das mulheres, sendo computado pela PNA 2010 de Débora Diniz (2010, p.5) uma porcentagem de 60% das mulheres que realização o aborto pela última ou única vez neste período, entre 18 e 29 anos. Portanto, o aborto configura-se um evento normal na vida das mulheres brasileiras.

A criminalização do aborto acaba sendo incompatível com a garantia à saúde, vida e os direitos fundamentais conquistados através de décadas para o gozo das mulheres, tendo em vista que o Brasil peca no principal, que são os investimentos na área da saúde sexual e planejamento familiar. Implicando neste fenômeno que deve ser tratado no âmbito da saúde pública pelo Estado Brasileiro, necessitando de atenção, cuidado e prevenção. Citando novamente Débora Diniz (BRASIL, 2018) onde informou na audiência pública da ADPF nº 442 que conforme aumento no grau de escolaridade, menor são as taxas de aborto, sendo um indicativo de que a informação é um dos instrumentos eficientes para a prevenção do aborto.


5 CONCLUSÃO


Diante de todo o exposto nesta monografia, considera-se que o aborto no Brasil é um tema que suscita caloroso debate. A interrupção voluntária da gravidez, procedimento realizado por vontade da mulher quando por algum motivo pessoal ou de qualquer outra natureza não desejar ser mãe, é legalizado em alguns países do mundo, o que não é o caso do Brasil.

A antiga discussão acerca da criminalização do aborto recai sobre vários vieses, principalmente se tratando de cunhos religiosos e conservadores, o que claramente não deveria afetar as leis, especialmente se tratando do Brasil que é um Estado laico. Porém acaba afetando e consequentemente passando por cima de direitos humanos fundamentais, excluindo uma das principais causas vinculadas à saúde pública, o “aborto inseguro”.

Ainda, por mais que exista a linha de defesa da vida do feto dentro do útero da mulher, a qual faz com que a criminalização perdure por todo este tempo, é inegável dizer que não exista uma via direta com os direitos das mulheres. Elas são as atingidas diretamente com as decisões que são ou não tomadas acerca do assunto.

Diante do objetivo exposto nesta monografia, apontam-se as seguintes questões à guisa de conclusão. No primeiro capítulo observaram-se as lutas travadas pelos movimentos feministas, os quais foram e continuam sendo os protagonistas para a conquista dos direitos humanos das mulheres. Dada a importância das várias realidades vividas por elas, a leitura pelo viés da interseccionalidade é necessária, enquanto instrumento analítico criado por feministas negras, que aprimorou o conhecimento acerca das opressões e desigualdades vivenciadas pelas mulheres. Uma das lutas feministas em ênfase ao tema foi pela conquista dos direitos reprodutivos, cercado por inúmeros preconceitos até os dias atuais. Por mais que no Brasil não haja uma garantia plena e não sejam citados diretamente pela legislação, se reconhece a garantia das mulheres ao direito de decisão sobre seus próprios corpos. Neste sentido, coloca-se em prática o princípio constitucional mais fundamental, a dignidade da pessoa humana que sem dúvida é ferida quando uma mulher é impedida de exercer, por algum motivo, a plenitude de seus direitos reprodutivos.

Já no segundo capítulo, examinou-se os artigos do código penal que criminalizam a interrupção voluntária da gravidez, conjuntamente com as pesquisas sobre o tema e os relatórios das decisões do STF nas ações da ADPF nº 54 e o HC nº 124.306. Compreende-se a magnitude dos abortos clandestinos, percebendo que a norma criminalizadora não está trazendo resultados positivos, pois não é eficaz em matéria de prevenção, pelo contrário, está ajudando a contribuir com os altos índices dos abortos inseguros, onde as mulheres diante das diversas situações apresentadas em suas vidas, veem como única opção a prática do aborto, resultando até mesmo no aumento de gastos públicos por conta dos procedimentos inacabados ou com complicações, e na pior das hipóteses, dessa forma mantendo os elevados números de mortes maternas.

As consequências da criminalização afetam principalmente mulheres de baixo poder aquisitivo, baixa escolaridade, negras e indígenas. Com a falta de investimento na área da saúde sexual no Brasil, cita-se o exemplo de alguns países que legalizaram a interrupção voluntária da gravidez, como por exemplo a Espanha e os Estados Unidos, observa-se que a descriminalização é uma das alternativas para diminuir uma das principais causas de mortes maternas no Brasil.

Por fim, no último capítulo com a análise das peças iniciais contidas na ADPF nº 442/DF e as exposições em audiência pública, nota-se o desprezo governamental sobre os dados trazidos pelo aborto inseguro, causando a situação calamitosa que o Brasil se encontra em relação às mortes maternas, a qual poderia ser plenamente evitada se ao invés de tratar o tema com descaso, olhassem para a real situação e a tratassem como um problema de saúde pública, que deve ser cerceado por investimentos a educação, informação e prevenção.

Ainda, são imensuráveis os danos que a manutenção do abortamento traz às mulheres, tanto psicologicamente quanto fisicamente. A partir do momento em que a legislação escolhe que a vida do feto é mais importante que a da mulher que já é nascida, a qual tem sua história formada e sem dúvidas sofrerá mais com o abortamento, são diversos princípios fundamentais que são feridos. Especialmente o direito à vida e dignidade da pessoa humana, totalmente desprezados pelas normas atuais, não dando às mulheres o poder de fazer uma escolha segura para sua “vida”, que é o maior bem de um indivíduo a qual é colocado em situação de perigo e muitas vezes, conforme comprovam dados, infelizmente chegam ao fim trágico, a “morte”.


Não é possível antever os resultados da ação que tramita junto ao STF, pois ela depende principalmente do contexto político que a ronda, não somente jurídico. A partir disso, abre-se a perspectiva de futuras monografias, que podem, por exemplo, pensar em modelos de legalização do aborto e seu reflexo no mundo.


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VENTURA, Miriam. Direitos Reprodutivos no Brasil. 3ª ed. Brasília: UNFPA, 2009.


NOTAS:

1Em 2018, durante as comemorações do Dia Internacional da Mulher, a Ministra Damares Alves, em entrevista afirmou que ser mãe é o papel das mulheres, em suas próprias palavras: “Mulher nasceu para ser mãe. Também, mas ser mãe é o papel mais especial da mulher. A gente precisa entender que a relação dela com o filho é uma relação muito especial. E a mulher tem que estar presente [...]” (SACONI, 2018).


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